Brodsky esboça nestes
versos os preparativos para as festas invernais, o Natal em primeiro plano, focando
o leitor não exatamente na atmosfera calorosa e festiva do feriado cristão,
senão nos transtornos dos preparativos para o evento, geralmente associados a
uma corrida por produtos para consumo (e presentes): “Cheiro de vodca, bacalhau
e pinho, mandarins, canela, maçãs. Um caos de caras, e não se vê o caminho para
Belém, devido ao torvelinho”.
Na abordagem do poeta,
descortina-se um quotidiano em que os incógnitos partícipes, os novos Herodes, tudo
fazem em detrimento ao próprio Natal, quando deveriam prestar mais atenção à estrela,
esse luminar que acaba de nascer, capaz de lhes preencher o vazio de espírito, resgatando
suas faces ao anonimato, para revelar o que os torna humanos por excelência,
reaproximando desse modo o transitório ao sagrado, o efêmero ao eterno.
J.A.R. – H.C.
Joseph Brodsky
(1940-1996)
24 Декабря 1971 Года
V. S.
В Рождество все немного волхвы.
В продовольственных слякоть и давка.
Из-за банки кофейной халвы
производит осаду прилавка
грудой свёртков навьюченный люд:
каждый сам себе царь и верблюд.
Сетки, сумки, авоськи, кульки,
шапки, галстуки, сбитые набок.
Запах водки, хвои и трески,
мандаринов, корицы и яблок.
Рисунок1Хаос лиц, и не видно тропы
в Вифлеем из-за снежной крупы.
И разносчики скромных даров
в транспорт прыгают, ломятся в двери,
исчезают в провалах дворов,
даже зная, что пусто в пещере:
ни животных, ни яслей, ни Той,
над Которою – нимб золотой.
Пустота. Но при мысли о ней
видишь вдруг как бы свет ниоткуда.
Знал бы Ирод, что чем он сильней,
тем верней, неизбежнее чудо.
Постоянство такого родства –
основной механизм Рождества.
То и празднуют ныне везде,
что Его приближенье, сдвигая
все столы. Не потребность в звезде
пусть ещё, но уж воля благая
в человеках видна издали,
и костры пастухи разожгли.
Валит снег; не дымят, но трубят
трубы кровель. Все лица, как пятна.
Ирод пьёт. Бабы прячут ребят.
Кто грядёт – никому непонятно:
мы не знаем примет, и сердца –
могут вдруг не признать пришлеца.
Но, когда на дверном сквозняке
из тумана ночного густого
возникает фигура в платке,
и Младенца, и Духа Святого
ощущаешь в себе без стыда;
смотришь в небо и видишь – звезда.
январь 1972
Feira de Natal
(Genrikh M. Manizer:
pintor russo)
24 de Dezembro de
1971
para V. S.
Somos todos, no
Natal, meio Reis Magos.
Nas mercearias, lama
e aglomeração.
Por umas latas de
doce com gosto de café
dá-se o assédio a um
balcão
por um monte de gente
toda empacotada:
cada um é ao mesmo
tempo rei e camelo.
Redes, sacolas, sacos
e saquinhos,
bonés, gravatas
enviesadas.
Cheiro de vodca,
bacalhau e pinho,
mandarins, canela,
maçãs.
Um caos de caras, e
não se vê o caminho
para Belém, devido ao
torvelinho.
E os que carregam
presentes não reais
estouram os portões,
saltam nos transportes velas vias,
somem nos fossos dos quintais,
mesmo sabendo que a
gruta está vazia:
sem animais, sem
manjedoura, sem Aquela
sobre Quem paira um
nimbo d’ouro.
O vazio. Mas ao
pensares nele
verás de súbito como
que um brilho sem norte.
Soubesse Herodes que
quanto mais ele é forte
tanto mais certo e
inevitável é o milagre:
a constância dessa
afinidade
é o mecanismo básico
da Natividade.
Então festejam hoje
em todo lugar,
juntando as mesas, o
Seu chegar.
Não é útil ainda a
estrela guia,
mas já de longe dos
homens se podia
ver a boa vontade o
tempo inteiro,
enquanto os pastores
avivavam as fogueiras.
A neve cai. Não fumam,
mas tocam a chamada
as chaminés. Os
vultos todos, manchas.
Herodes bebe. As
mulheres escondem os bebês.
De quem chega,
ninguém sabe o paradeiro:
não conhecendo os
fins, os corações
podem não reconhecer
o forasteiro.
Mas, quando pela
corrente de ar da porta
surgir da espessa
névoa dessa noite
um vulto envolto numa
echarpe,
sentirás dentro de
ti, sem mais aquelas,
o Menino, o Espírito
Santo:
e se olhares para o
céu verás – a estrela.
Janeiro, 1972
Referência:
BRODKSY, Joseph. 24 декабря 1971 года / 24 de dezembro de 1971. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. In: __________. Poemas de Natal.
Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. Edição bilíngue. 1. ed. Belo Horizonte,
MG: Editora Âyiné, nov. 2019. Em russo: p. 66, 68 e 70; em português: p. 67, 69
e 71.
Nenhum comentário:
Postar um comentário