Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 24 de dezembro de 2023

Joseph Brodsky - 24 de Dezembro de 1971

Brodsky esboça nestes versos os preparativos para as festas invernais, o Natal em primeiro plano, focando o leitor não exatamente na atmosfera calorosa e festiva do feriado cristão, senão nos transtornos dos preparativos para o evento, geralmente associados a uma corrida por produtos para consumo (e presentes): “Cheiro de vodca, bacalhau e pinho, mandarins, canela, maçãs. Um caos de caras, e não se vê o caminho para Belém, devido ao torvelinho”.

 

Na abordagem do poeta, descortina-se um quotidiano em que os incógnitos partícipes, os novos Herodes, tudo fazem em detrimento ao próprio Natal, quando deveriam prestar mais atenção à estrela, esse luminar que acaba de nascer, capaz de lhes preencher o vazio de espírito, resgatando suas faces ao anonimato, para revelar o que os torna humanos por excelência, reaproximando desse modo o transitório ao sagrado, o efêmero ao eterno.

 

J.A.R. – H.C.

 

Joseph Brodsky

(1940-1996)

 

24 Декабря 1971 Года

 

V. S.

 

В Рождество все немного волхвы.

В продовольственных слякоть и давка.

Из-за банки кофейной халвы

производит осаду прилавка

грудой свёртков навьюченный люд:

каждый сам себе царь и верблюд.

 

Сетки, сумки, авоськи, кульки,

шапки, галстуки, сбитые набок.

Запах водки, хвои и трески,

мандаринов, корицы и яблок.

Рисунок1Хаос лиц, и не видно тропы

в Вифлеем из-за снежной крупы.

 

И разносчики скромных даров

в транспорт прыгают, ломятся в двери,

исчезают в провалах дворов,

даже зная, что пусто в пещере:

ни животных, ни яслей, ни Той,

над Которою нимб золотой.

 

Пустота. Но при мысли о ней

видишь вдруг как бы свет ниоткуда.

Знал бы Ирод, что чем он сильней,

тем верней, неизбежнее чудо.

Постоянство такого родства

основной механизм Рождества.

 

То и празднуют ныне везде,

что Его приближенье, сдвигая

все столы. Не потребность в звезде

пусть ещё, но уж воля благая

в человеках видна издали,

и костры пастухи разожгли.

 

Валит снег; не дымят, но трубят

трубы кровель. Все лица, как пятна.

Ирод пьёт. Бабы прячут ребят.

Кто грядёт никому непонятно:

мы не знаем примет, и сердца

могут вдруг не признать пришлеца.

 

Но, когда на дверном сквозняке

из тумана ночного густого

возникает фигура в платке,

и Младенца, и Духа Святого

ощущаешь в себе без стыда;

смотришь в небо и видишь звезда.

 

январь 1972

 

Feira de Natal

(Genrikh M. Manizer: pintor russo)

 

24 de Dezembro de 1971

 

para V. S.

 

Somos todos, no Natal, meio Reis Magos.

Nas mercearias, lama e aglomeração.

Por umas latas de doce com gosto de café

dá-se o assédio a um balcão

por um monte de gente toda empacotada:

cada um é ao mesmo tempo rei e camelo.

 

Redes, sacolas, sacos e saquinhos,

bonés, gravatas enviesadas.

Cheiro de vodca, bacalhau e pinho,

mandarins, canela, maçãs.

Um caos de caras, e não se vê o caminho

para Belém, devido ao torvelinho.

 

E os que carregam presentes não reais

estouram os portões, saltam nos transportes velas vias,

somem nos fossos dos quintais,

mesmo sabendo que a gruta está vazia:

sem animais, sem manjedoura, sem Aquela

sobre Quem paira um nimbo d’ouro.

 

O vazio. Mas ao pensares nele

verás de súbito como que um brilho sem norte.

Soubesse Herodes que quanto mais ele é forte

tanto mais certo e inevitável é o milagre:

a constância dessa afinidade

é o mecanismo básico da Natividade.

 

Então festejam hoje em todo lugar,

juntando as mesas, o Seu chegar.

Não é útil ainda a estrela guia,

mas já de longe dos homens se podia

ver a boa vontade o tempo inteiro,

enquanto os pastores avivavam as fogueiras.

 

A neve cai. Não fumam, mas tocam a chamada

as chaminés. Os vultos todos, manchas.

Herodes bebe. As mulheres escondem os bebês.

De quem chega, ninguém sabe o paradeiro:

não conhecendo os fins, os corações

podem não reconhecer o forasteiro.

 

Mas, quando pela corrente de ar da porta

surgir da espessa névoa dessa noite

um vulto envolto numa echarpe,

sentirás dentro de ti, sem mais aquelas,

o Menino, o Espírito Santo:

e se olhares para o céu verás – a estrela.

 

Janeiro, 1972

 

Referência:

 

BRODKSY, Joseph. 24 декабря 1971 года / 24 de dezembro de 1971. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. In: __________. Poemas de Natal. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. Edição bilíngue. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Editora Âyiné, nov. 2019. Em russo: p. 66, 68 e 70; em português: p. 67, 69 e 71.

 


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