A poetisa rememora um
momento de genuína revelação, em que seu pai a carrega sobre os ombros e,
ambos, olham para frente, na mesma direção, rumo ao “vazio, a neve pesada”, que
teima em não decantar, redemoinhando ao redor deles – suma do que, sob a ótica
da falante, integrava o “mundo” de seu genitor.
Até onde se pode
depreender do teor dos versos, a poetisa reteve em sua mente a percepção de um
vazio tomando conta do coração ou do espírito de seu pai, um cônscio abstraído,
a ponto de renunciar até mesmo a fitar diretamente o semblante da filha – e
segurá-la sobre os ombros era uma forma tal que o impedia de vê-la –, robustecendo-lhe
a impressão acerca de uma frieza de comportamento, da qual nunca se deixava
despojar.
J.A.R. – H.C.
Louise Glück
(n. 1943)
Snow
Late December: my
father and I
are going to New
York, to the circus.
He holds me
on his shoulders in
the bitter wind:
scraps of white paper
blow over the
railroad ties.
My father liked
to stand like this,
to hold me
so he couldn’t see
me.
I remember
staring straight
ahead
into the world my
father saw;
I was learning
to absorb its
emptiness,
the heavy snow
not falling, whirling
around us.
In: “Ararat” (1990)
Pai e filho na neve
invernal
(Irina Sztukowski:
artista russo-americana)
Neve
Fins de dezembro: meu
pai e eu
nos dirigimos a Nova
Iorque, para o circo.
Ele me sustenta
sobre os seus ombros
sob um vento implacável:
pedaços de papel
branco
sopram sobre os
dormentes da ferrovia.
Meu pai gostava
de estar assim, de me
segurar
desse jeito, tal que
não pudesse me ver.
Lembro-me
de olhar diretamente para
a frente,
em direção ao mundo
que meu pai via;
eu estava aprendendo
a absorver o seu
vazio,
a neve pesada
que não caía, remoinhando
à nossa volta.
Em: “Ararat” (1990)
Referência:
GLÜCK, Louise. Snow.
In: __________. Poems: 1962-2012. First paperback edition. New York, NY:
Farrar, Straus and Giroux, 2013. p. 233.
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