Oliver põe-se a
refletir sobre a realidade tal como a experimentamos, ou melhor, não a
realidade em sua natural e presumida essência, senão a que resulta da atividade
de nossa consciência: indaga-se a autora sobre as razões pelas quais se deva assumir
posições definitivas acerca do que quer que seja, se não há plena equivalência
entre as duas coisas?!
Com efeito, a poetisa
afirma deter muitas dúvidas e poucas certezas, pondo em xeque, pelo menos para
si, o assertivo dualismo cartesiano: a partir de um “segundo nível”,
entrelaçam-se os dados do mundo e os da consciência, a experiência e a
linguagem, o poema e o leitor – suscitando o aparecimento de “anjos” nesse
território de elusivos matizes, tão “reais” quanto qualquer coisa capturada
pelos sentidos.
J.A.R. – H.C.
Mary Oliver
(1935-2019)
Angels
You might see an
angel anytime
and anywhere. Of
course you have
to open your eyes to
a kind of
second level, but
it’s not really
hard. The whole
business of
what’s reality and
what isn’t has
never been solved and
probably
never will be. So I
don’t care to
be too definite about
anything.
I have a lot of edges
called Perhaps
and almost nothing
you can call
Certainty. For myself,
but not
for other people.
That’s a place
you just can’t get
into, not
entirely anyway,
other people’s
heads.
I’ll just leave you
with this.
I don’t care how many
angels can
dance on the head of
a pin. It’s
enough to know that
for some people
they exist, and that
they dance.
Dois anjos flutuando
(Johann von
Schraudolph: pintor alemão)
Anjos
Podes ver um anjo a
qualquer momento
e em qualquer lugar.
Claro que tens
de abrir os olhos a
uma espécie de
segundo nível, mas
não é realmente
difícil. Toda a
questão do que
é e do que não é a realidade
nunca foi resolvida e,
provavelmente,
jamais o será. Por
isso, não cuido em ser
definitiva demais sobre
o que quer que seja.
Tenho muitas fronteiras
chamadas Talvez
e quase nada que se
possa nomear
como Certeza. Para
mim, embora não
para outras pessoas.
Essa é uma região
onde simplesmente não
se pode entrar, pelo
menos não inteiramente,
na cabeça
de outras pessoas.
Deixo-te apenas com
isto.
Não me importa saber
quantos anjos podem
dançar na cabeça de
um alfinete. Basta saber
que, para algumas
pessoas,
eles existem, e que
dançam.
Referência:
OLIVER, Mary. Angels.
In: Blue horses. New York, NY: The Penguin Press, 2014. p. 15.
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