Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

David Mourão-Ferreira - Natal, e não Dezembro

Muito mais que dezembro – a trintena de dias que encerra o ano –, temos nesse ínterim o Natal e as festividades do nascimento de Cristo, evocados pelo poeta para amparar o sentido de um festim “talvez universal”, em que todos são convidados, em tais dias friorentos, a juntarem-se de “mãos dadas”, para que o “fogo nasça”.

 

Presumem-se os desígnios de esperança, solidariedade, amor, luz, vida em plenitude, pois que, se há algo a arder, que venha a estrela em auxílio: muito mais que nossos corpos físicos, nossa natureza espiritual – superior, de consciência, juízo e compreensão – necessita de farnéis para lograr romper os humanos limites, atingindo assim a sua vocação de transcendência.

 

J.A.R. – H.C.

 

David Mourão-Ferreira

(1927-1996)

 

Natal, e não Dezembro

 

Entremos, apressados, friorentos,

numa gruta, no bojo de um navio,

num presépio, num prédio, num presídio,

no prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.

Entremos, e depressa, em qualquer sítio,

porque esta noite chama-se Dezembro,

porque sofremos, porque temos frio.

 

Entremos, dois a dois: somos duzentos,

duzentos mil, doze milhões de nada.

Procuremos o rastro de uma casa,

a cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.

Das mãos dadas talvez o fogo nasça,

talvez seja Natal e não Dezembro,

talvez universal a consoada.

 

(1962)

Em: “Cancioneiro de Natal” (1960-1978)

 

O sonho de José no estábulo em Belém

(Rembrandt van Rijn: pintor holandês)

 

Referência:

 

MOURÃO-FERREIRA, David. Natal, e não dezembro. In: __________. Obra poética: volume II. Amadora, PT: Livraria Bertrand, jan. 1980. p. 77. 

 


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