Muito mais que
dezembro – a trintena de dias que encerra o ano –, temos nesse ínterim o Natal
e as festividades do nascimento de Cristo, evocados pelo poeta para amparar o
sentido de um festim “talvez universal”, em que todos são convidados, em tais dias
friorentos, a juntarem-se de “mãos dadas”, para que o “fogo nasça”.
Presumem-se os desígnios
de esperança, solidariedade, amor, luz, vida em plenitude, pois que, se há algo
a arder, que venha a estrela em auxílio: muito mais que nossos corpos físicos, nossa
natureza espiritual – superior, de consciência, juízo e compreensão – necessita
de farnéis para lograr romper os humanos limites, atingindo assim a sua vocação
de transcendência.
J.A.R. – H.C.
David Mourão-Ferreira
(1927-1996)
Natal, e não Dezembro
Entremos, apressados,
friorentos,
numa gruta, no bojo
de um navio,
num presépio, num prédio,
num presídio,
no prédio que amanhã
for demolido...
Entremos, inseguros,
mas entremos.
Entremos, e depressa,
em qualquer sítio,
porque esta noite
chama-se Dezembro,
porque sofremos,
porque temos frio.
Entremos, dois a
dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze
milhões de nada.
Procuremos o rastro
de uma casa,
a cave, a gruta, o
sulco de uma nave...
Entremos, despojados,
mas entremos.
Das mãos dadas talvez
o fogo nasça,
talvez seja Natal e
não Dezembro,
talvez universal a
consoada.
(1962)
Em: “Cancioneiro de
Natal” (1960-1978)
O sonho de José no
estábulo em Belém
(Rembrandt van Rijn:
pintor holandês)
Referência:
MOURÃO-FERREIRA, David. Natal, e não dezembro. In: __________. Obra poética: volume II. Amadora, PT: Livraria Bertrand, jan. 1980. p. 77.
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