Este é o poema de nº
8 do poemário dedicado por Alegre a Camões, um panegírico – como vários outros da
mesma brochura – ao idioma português em suas conquistas expansionistas e, claro
está, às aventuras lusitanas pelo mar, já às proximidades da Índia, condensadas
pelo vate maior português no Canto VI de “Os Lusíadas”.
Mais que o idioma,
ainda dominantemente incógnito em terras orientais, o que então se transladara
ao além-mar foi o substrato cultural, o fundamento e a essência do ser
português, sem detrimento à mercancia de especiarias e a fundação de
entrepostos – o “visível e o concreto” forâneos que, inauditos, viriam a ter
representação no vernáculo em difusão.
J.A.R. – H.C.
Manuel Alegre
(n. 1936)
E de súbito as
sílabas saíram dos palimpsestos
E de súbito as
sílabas saíram dos palimpsestos e
floriram por dentro
do mês propício. Ardentes sílabas
carregadas de uma
nova e nunca ousada sabedoria.
Cantavam nos altos
mastros despidas
de abstracção e
metafísica. Eram sílabas recém-
-desabrochadas batidas
pelo vento
cheiravam ao sul e ao
perfume das terras
por achar. Buscavam o
som profundo e a nunca
ouvida música da arte
de marear. Eram
sílabas à proa sem
Aristóteles nem dogma.
Navegavam contra o
alfa e contra o ómega
texto a texto negando
as velhas ortodoxias.
Já no canto sexto os
tálamos do sol
apontavam os mares da
Índia e
as novas ilhas dentro
do alfabeto.
Cantavam nos altos
mastros viradas para Oriente
ardentes sílabas do
Ocidente em busca
do visível e do
concreto. Verso a verso
desfraldadas
aprendiam a dizer
as coisas nunca
dantes nomeadas.
Estrutura Dinâmica
(Maria Helena V. da
Silva: pintora portuguesa)
Referência:
ALEGRE, Manuel. E de
súbito as sílabas saíram dos palimpsestos. In: __________. Com que pena:
vinte poemas para Camões. Ilustrações de David de Almeida. 1. ed. Lisboa, PT:
Publicações Dom Quixote, mai. 1992. p. 23.
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