Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Manuel Alegre - E de súbito as sílabas saíram dos palimpsestos

Este é o poema de nº 8 do poemário dedicado por Alegre a Camões, um panegírico – como vários outros da mesma brochura – ao idioma português em suas conquistas expansionistas e, claro está, às aventuras lusitanas pelo mar, já às proximidades da Índia, condensadas pelo vate maior português no Canto VI de “Os Lusíadas”.

 

Mais que o idioma, ainda dominantemente incógnito em terras orientais, o que então se transladara ao além-mar foi o substrato cultural, o fundamento e a essência do ser português, sem detrimento à mercancia de especiarias e a fundação de entrepostos – o “visível e o concreto” forâneos que, inauditos, viriam a ter representação no vernáculo em difusão.

 

J.A.R. – H.C.

 

Manuel Alegre

(n. 1936)

 

E de súbito as sílabas saíram dos palimpsestos

 

E de súbito as sílabas saíram dos palimpsestos e

floriram por dentro do mês propício. Ardentes sílabas

carregadas de uma nova e nunca ousada sabedoria.

Cantavam nos altos mastros despidas

de abstracção e metafísica. Eram sílabas recém-

-desabrochadas batidas pelo vento

cheiravam ao sul e ao perfume das terras

por achar. Buscavam o som profundo e a nunca

ouvida música da arte de marear. Eram

sílabas à proa sem Aristóteles nem dogma.

Navegavam contra o alfa e contra o ómega

texto a texto negando as velhas ortodoxias.

Já no canto sexto os tálamos do sol

apontavam os mares da Índia e

as novas ilhas dentro do alfabeto.

Cantavam nos altos mastros viradas para Oriente

ardentes sílabas do Ocidente em busca

do visível e do concreto. Verso a verso

desfraldadas aprendiam a dizer

as coisas nunca dantes nomeadas.

 

Estrutura Dinâmica

(Maria Helena V. da Silva: pintora portuguesa)

 

Referência:

 

ALEGRE, Manuel. E de súbito as sílabas saíram dos palimpsestos. In: __________. Com que pena: vinte poemas para Camões. Ilustrações de David de Almeida. 1. ed. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, mai. 1992. p. 23.

Nenhum comentário:

Postar um comentário