Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 30 de dezembro de 2023

Jorge Luis Borges - Fim de Ano

Borges nos diz que celebramos os fins de ano como um “milagre”, ante a percepção de que mudamos constantemente – tais quais “as gotas do rio de Heráclito” –, embora haja algo em nós que sempre permaneça, “imóvel”, pois que às voltas com a missão de encontrar aquilo a que se propôs, ao longo desse trânsito que é a vida.

 

O autor argentino sugere que de pouco serve a medição do tempo tal como a realizamos; mesmo os processos astronômicos seriam triviais em cotejo à incômoda sensação de que nossas vidas fluem de modo implacável, vis-à-vis o nomeado pressentimento de que haveria alguma coisa duradoura no momento presente. O que seria?

 

Pode-se levantar a hipótese de que esse elemento mais estável a que se refere o autor argentino seja o que de mais individual há em cada um de nós, a identidade que nos singulariza em relação a quaisquer outras pessoas, identidade essa que, sucumbindo à morte, suscita o maior dos mistérios sob o que representaria esse nosso retorno às origens.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Luiz Borges

(1899-1986)

 

Final de Año

 

Ni el pormenor simbólico

de reemplazar un tres por un dos

ni esa metáfora baldía

que convoca un lapso que muere y otro que surge

ni el cumplimiento de un proceso astronómico

aturden y socavan

la altiplanicie de esta noche

y nos obligan a esperar

las doce irreparables campanadas.

La causa verdadera

es la sospecha general y borrosa

del enigma del Tiempo;

es el asombro ante el milagro

de que a despecho de infinitos azares,

de que a despecho de que somos

las gotas del río de Heráclito,

perdure algo en nosotros:

inmóvil,

algo que no encontró lo que buscaba.

 

En: “Fervor de Buenos Aires” (1923)

 

A Passagem do Tempo

(Sushe Felix: pintora norte-americana)

 

Fim de Ano

 

Nem o pormenor simbólico

de substituir um dois por um três (*)

nem essa ociosa metáfora

que convoca um lapso que morre e outro que surge

nem o cumprimento de um processo astronômico

atordoam e minam

o altiplano desta noite

e nos obrigam a esperar

as doze irreparáveis badaladas.

A verdadeira causa

é a suspeita geral e indistinta

do enigma do Tempo;

é o assombro ante o milagre

de que a despeito de infinitos acasos,

de que a despeito de que somos

as gotas do rio de Heráclito,

perdure algo em nós:

imóvel,

algo que não encontrou o que buscava.

 

Em: “Fervor de Buenos Aires” (1923)

 

Nota:

 

(*) Borges alude à mudança de ano, de 1922 a 1923, momento em que redigido o poema.

 

Referência:

 

BORGES, Jorge Luis. Final de año. In: __________. Obra poética, 1923-1977. 2. ed. Madrid (ES): Alianza Tres; Buenos Aires (AR): Emecé, 1981. p. 43.

 


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