Nestes versos de
Dickinson, o mar surge personificado como um amante, com quem a falante reluta
em enredar-se para uma experiência de amor, arrebatamento e prazer, talvez por
ater-se à sua reprimida feminilidade: o temor de contato físico acaba por
bloquear a consumação dos desejos entrevistos nas sugestivas imagens evocadas
pela poetisa.
Aliás, tais imagens
poderiam dar ensejo a outras interpretações, considerando a ambivalência tonal
do simbolismo infundido nos versos, a exemplo da presença ameaçadora das forças
da natureza – de que o mar seria um exemplo contundente –, ou mesmo de elementos
prenunciadores da morte, quase uma invariante nas linhas de Dickinson.
J.A.R. – H.C.
Emily Dickinson
(1830-1886)
I started Early –
Took my Dog
I started Early –
Took my Dog –
And visited the Sea –
The Mermaids in the
Basement
Came out to look at
me –
And Frigates – in the
Upper Floor
Extended Hempen Hands
–
Presuming Me to be a
Mouse –
Aground – opon the
Sands –
But no Man moved Me –
till the Tide
Went past my simple
Shoe –
And past my Apron –
and my Belt
And past my Boddice –
too –
And made as He would
eat me up –
As wholly as a Dew
Opon a Dandelion’s
Sleeve –
And then – I started
– too –
And He – He followed
– close behind –
I felt His Silver
Heel
Opon my Ancle – Then
My Shoes
Would overflow with
Pearl –
Until We met the
Solid Town –
No One He seemed to
know –
And bowing – with a
Mighty look –
At me – The Sea
withdrew –
Uma dama e o seu cão
na praia
(Joaquín Sorolla e
Bastida: pintor espanhol)
Levantei Cedo – eu e
o Cão
Levantei Cedo – eu e
o Cão –
E visitamos o Mar –
As Sereias do Porão
Saíram para me olhar –
E Fragatas – no Andar
de Cima
Estenderam mãos de
Cânhamo –
Presumindo-me um
Cabeço –
Na praia – em terra
firme –
Homem algum me moveu –
até
a Maré molhar-me o
Sapato –
E alcançar o Avental –
e o Cinto –
E subir até o Corpete
–
Ele queria me comer –
Como Orvalho devora
A Franja de
Dente-de-Leão –
E eu quis ir embora
E – Ele me seguiu –
de perto –
Senti seus Pés de
Prata –
Nos Tornozelos – Meus
Sapatos
Transbordaram de
Pérolas –
Até a Cidade Sólida –
Conhecido algum Ele
viu –
E curvando-se – a me
olhar
De cima – O Mar se
retraiu –
Notas do Tradutor
Adalberto Müller:
(1). Embora vivesse
longe do mar, Dickinson esteve algumas vezes em Boston e também em Middletown,
NJ. (DICKINSON, 2020, p. 835).
(2). “Mouse” (rato)
era um tipo de nó usado nos cordames dos navios a vela; as cordas eram feitas
de cânhamo (“hemp”). (DICKINSON, 2020, p. 835).
Referência:
DICKINSON, Emily. I
started early – took my dog / Levantei cedo – eu e o cão. Tradução de Adalberto
Müller. In: __________. Poesia completa. Volume I: os fascículos. Edição
bilíngue. Tradução, notas e posfácio de Adalberto Müller. Prefácio à edição
brasileira de Cristanne Miller. Brasília, DF: Editora UnB, 2020. Em inglês: p.
584 e 586; em português: 585 e 587.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário