Uma palavra – “semente
ou germe” – com o potencial de “abarcar todo o mundo” e que, paradoxalmente, “nele
não coubesse”: que signo linguístico teria esse dom, senão aquele que se devota
a tentar veicular a poesia, esse elemento inefável que paira em nossa realidade
quotidiana, inundando-nos a “vida inteira” – como diria Drummond?!
Essa palavra espraia-se
feito música, magicamente, para além da experiência a que diz respeito – urdindo
a “vida toda linguagem”, de Faustino –, incapaz, contudo, de esgotar os
sentidos de tal experiência, de se lhe igualar cabalmente: este mundo que se tenciona
revelar pelo empreendimento poético; outro mundo que se cria como exercício tentativo
para se representar a face desse “deus incógnito” que “caminha entre os mortais”.
J.A.R. – H.C.
Paulo Henriques
Britto
(n. 1951)
Gramaticais I
Uma palavra que entre
as coisas caminhasse
tal qual um deus
incógnito entre os mortais,
sem revelar a sua
verdadeira face.
Uma palavra que
viesse na linguagem
perfeitamente
engastalhada em meio às coisas,
como a maçã na casca,
ou a ervilha na vargem.
Uma palavra que
pulsasse sob a derme
Como aguarda sem
pressa a hora de espocar
de sua cápsula, uma
semente ou germe.
Enfim, uma palavra
apenas que pudesse
abarcar todo o mundo,
e nele não coubesse.
Colhendo Ervilhas
(Camile Pissarro: pintor
francês)
Referência:
BTITTO, Paulo
Henriques. Gramaticais (I). In: __________. Tarde: poemas. São Paulo,
SP: Companhia das Letras, 2007. p. 39.
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Uma palavra, como um verso... que pronunciada um dia fosse capaz de me ressuscitar. O Poeta Paulo Henrique Henriques Brito, que ainda não conheço, acerto em cheio. Um belo poema. Merece mesmo ser divulgado. Espero que ele passe os olhos no blog e possa dar e receber notícia. Além de agradecer a J. A. Rodrigues pela escolha e pela publicação.
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