Versos que mesclam perspectivas
nostálgicas a outras que albergam esboços de cenários naturais – muito provavelmente
evocados pelo poeta a partir de suas próprias memórias –, suscitam no leitor intensos
efeitos visuais e sonoros, a par de uma alocução a apontar para a indefectível chegada
do inverno, tornando a cena pictoricamente menos variada em seus matizes.
Transpondo sobranceiramente
a cena, o “Moinho de Vento” do título – “hirto e velho” –, como se quisesse avultar
aos olhos do falante a sua presença cansada, mas serena e resiliente,
convenientemente acomodada no intercepto de terra, céu e água, enquanto, à
volta, as pessoas tornam-se protagonistas de uma história que ele testemunha e compila
em seu cartapácio de dias.
J.A.R. – H.C.
Johannes Bobrowski
(1917-1965)
Windmühle
Licht,
schäumendes Licht,
über der Ebene,
steil,
Berg aus Glanz,
ungeheures
Rauschen, es fliegen
die Stürme,
atmend von Blitzen,
die schreckliche Wand
steigt an den Himmel.
Über die Düne,
vom Meer,
im baumlosen
Schwemmland
bin ich gegangen,
schattenlos,
traumlos, ich ging
mit den Schnittern,
es stand die Mühle
starr und alt. Nun
mit grauen
Flügeln greift sie
die Lüfte.
Lautlos hebt sie sich
auf überm Land.
Mit den Reihern davon
fährt sie, groß vor
den weißen
Himmeln. Wild aus der
Ferne
glänzt ihr das Auge
des Winters nach.
Eisvogel Herz,
aus Gräten und
Flossen
bau dein Nest in der
Höhlung,
im flüsternden Blut.
Bei den Kindern der
Ebene, Töchtern und Söhnen,
bleib, bei den
kleinen Schatten
aus Liedern und
Tänzen, du
halt ein Novembergras
gegen den Schnee.
(6.8.1959)
Moinho de Vento
(Giorgio Gosti:
pintor italiano)
Moinho de Vento
Luz,
luz espumejante
sobre a planície,
íngreme,
montanha de brilho,
fundo
marulhar, voam
tempestades,
respirando
relâmpagos, a terrível parede
ergue-se até ao céu.
Desci
pela duna
vindo do mar,
pela terra de aluvião
nua de árvores,
sem sombra, sem
sonho, fui
com os ceifeiros, o
moinho erguia-se
hirto e velho. Agora,
as velas
cinzentas agarram os
ares.
Silencioso, sobe e
domina a terra.
Com as garças levanta
voo, grande no fundo
dos céus
brancos. Bravio, da
distância
responde-lhe o brilho
do olhar
do inverno.
Coração, pássaro dos
gelos,
com espinhas e
barbatanas
faz o teu ninho na
caverna,
no sangue
sussurrante.
Fica com as gentes da
planície, filhas e
filhos, com as
pequenas sombras
de canções e danças,
fica e
ergue uma erva de
Novembro
contra a neve.
(6.8.1959)
Referência:
BOBROWSKI, Johannes. Windmühle
/ Moinho de vento. Tradução de João Barrento. In: __________. Como um
respirar: antologia poética. Edição bilíngue. Selecção, tradução introdução
e notas de João Barrento. Lisboa, PT: Edições Cotovia, 1990. Em alemão: p. 24 e
26; em português: p. 25 e 27.
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