Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 9 de dezembro de 2023

Fabián Casas - Sem chaves e às escuras

Uma lufada de vento sobre a porta e o ente lírico viu-se confinado no corredor, do lado de fora da morada, para onde havia se deslocado não para apanhar o pão deixado pelo padeiro – como em “O Homem Nu”, na hilária crônica de Fernando Sabino –, mas para colocar o lixo no coletor, o que levou o recinto a ficar totalmente às escuras e o orador envolto em pensamentos sobre a morte.

 

A morte como um corredor escuro, onde se está trancafiado com o lixo nas mãos: o que seria o lixo nessa visão? Algo da história de nossas vidas que gostaríamos de descartar? Por que dar importância maior aos entulhos, quando se poderia corrigir a rota, orientando-se pelas colinas, pelos nossos momentos “arcos do triunfo” – como diria Pessoa?!

 

A propósito, muitos que passaram por experiências de quase-morte (EQM) relatam que entraram num túnel (com alguma similitude com um “corredor escuro”) e que, num átimo, a história de suas vidas passou diante de seus olhos, como se estivessem assistindo a um filme.

 

Pesquisas mais recentes, parecem convergir para a ideia de que a morte quase se assemelha a uma experiência psicodélica: se houver interesse do leitor pelo tema, sugiro que leia esta matéria, publicada no portal da BBC Brasil, ou que escute este áudio que lhe corresponde.

 

J.A.R. – H.C.

 

Fabián Casas

(n. 1965)

 

Sin llaves y a oscuras

 

Era uno de esos días en que todo sale bien.

Había limpiado la casa y escrito

dos o tres poemas que me gustaban.

No pedía más.

Entonces salí al pasillo para tirar la basura

y detrás de mí, por una correntada,

la puerta se cerró.

Quede sin llaves y a oscuras

sintiendo las voces de mis vecinos

a través de sus puertas.

Es transitorio, me dije;

pero así también podría ser la muerte:

un pasillo oscuro,

una puerta cerrada con la llave adentro,

la basura en la mano.

 

En: “El salmón” (1990-1996)

 

Um sopro de luz no fim do túnel

(Megan Perry: artista norte-americana)

 

Sem chaves e às escuras

 

Era uma daqueles dias em que tudo corre bem.

Havia limpado a casa e escrito

dois ou três poemas que me agradaram.

Mais eu não pedia.

Então saí para o corredor para deitar fora o lixo

e, atrás de mim, por obra de uma lufada de vento,

a porta se fechou.

Fiquei sem chaves e às escuras,

sentindo as vozes de meus vizinhos

através de suas portas.

É transitório, disse a mim mesmo;

mas assim também poderia ser a morte:

um corredor escuro,

uma porta trancada com a chave por dentro,

o lixo na mão.

 

Em: “O salmão” (1990-1996)

 

Referência:

 

CASAS, Fabián. Sin llaves y a oscuras. In: __________. Horla city y otros. Buenos Aires, AR: Emecé (Cruz del Sur), 2010. p. 38.

 

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