Uma lufada de vento
sobre a porta e o ente lírico viu-se confinado no corredor, do lado de fora da
morada, para onde havia se deslocado não para apanhar o pão deixado pelo
padeiro – como em “O Homem Nu”, na hilária crônica de Fernando Sabino –, mas
para colocar o lixo no coletor, o que levou o recinto a ficar totalmente às
escuras e o orador envolto em pensamentos sobre a morte.
A morte como um
corredor escuro, onde se está trancafiado com o lixo nas mãos: o que seria o
lixo nessa visão? Algo da história de nossas vidas que gostaríamos de
descartar? Por que dar importância maior aos entulhos, quando se poderia corrigir
a rota, orientando-se pelas colinas, pelos nossos momentos “arcos do triunfo” –
como diria Pessoa?!
A propósito, muitos
que passaram por experiências de quase-morte (EQM) relatam que entraram num
túnel (com alguma similitude com um “corredor escuro”) e que, num átimo, a
história de suas vidas passou diante de seus olhos, como se estivessem assistindo
a um filme.
Pesquisas mais
recentes, parecem convergir para a ideia de que a morte quase se assemelha a
uma experiência psicodélica: se houver interesse do leitor pelo tema, sugiro
que leia esta matéria,
publicada no portal da BBC Brasil, ou que escute este áudio que lhe
corresponde.
J.A.R. – H.C.
Fabián Casas
(n. 1965)
Sin llaves y a
oscuras
Era uno de esos días
en que todo sale bien.
Había limpiado la
casa y escrito
dos o tres poemas que
me gustaban.
No pedía más.
Entonces salí al
pasillo para tirar la basura
y detrás de mí, por
una correntada,
la puerta se cerró.
Quede sin llaves y a
oscuras
sintiendo las voces
de mis vecinos
a través de sus
puertas.
Es transitorio, me
dije;
pero así también podría
ser la muerte:
un pasillo oscuro,
una puerta cerrada
con la llave adentro,
la basura en la mano.
En: “El salmón” (1990-1996)
Um sopro de luz no
fim do túnel
(Megan Perry: artista
norte-americana)
Sem chaves e às
escuras
Era uma daqueles dias
em que tudo corre bem.
Havia limpado a casa
e escrito
dois ou três poemas
que me agradaram.
Mais eu não pedia.
Então saí para o
corredor para deitar fora o lixo
e, atrás de mim, por
obra de uma lufada de vento,
a porta se fechou.
Fiquei sem chaves e
às escuras,
sentindo as vozes de
meus vizinhos
através de suas
portas.
É transitório, disse
a mim mesmo;
mas assim também
poderia ser a morte:
um corredor escuro,
uma porta trancada
com a chave por dentro,
o lixo na mão.
Em: “O salmão” (1990-1996)
Referência:
CASAS, Fabián. Sin llaves y a oscuras. In: __________. Horla city y otros. Buenos Aires, AR: Emecé (Cruz del Sur), 2010. p. 38.
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