Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Mário de Andrade - Momento

O ente lírico comove-se com as particularidades vivenciadas pelos “solteirões” – provavelmente, ele próprio um deles –, a gramar “sonhos imorais”, “ofegando em suspiros apertados”: é no calor da noite que as coisas sucedem, quando tudo se espera por quem está no “cio” – como diria o Guilherme Arantes, em “Olhos Vermelhos”.

 

Na noite que “hesita em seguir adiante”, com ânimo para suster a modulação pulsante deitando-se sobre “hortênsias”, o falante vela “condescendentemente” o “sono dos burgueses” – casais, virgens e crianças –, evidenciando, desse modo, um misto de retração e de sentinela diante de sujeitos que não estão à vista, nas ruas, senão presumidos em seus ambientes domésticos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mário de Andrade

(1893-1945)

 

Momento

 

Com este calor quem dormiria...

 

A escureza se ajunta em minha rua,

Encapuça a cabeça alemã dos lampiões.

Eu careço de alguém...

 

Meus olhos catam a escuridão

Porém calor somente se mexendo

Sob a vigilância implacável dos astros.

 

Parece que os burgueses dormem...

Casais suados

Virgens vazias

Crianças descobertas...

O que mais me comove é pensar nos solteirões.

Os solteirões mastigam o silêncio.

Os solteirões viram de lado

Ofegando em suspiros apertados.

São sonhos imorais...

 

A noite hesita em seguir pra diante.

De repente se deita nas hortênsias!

 

E eu velo...

Eu velo o sono dos burgueses,

Condescendentemente.

 

(1924)

 

Noite na cidade

(Debra Hurd: artista norte-americana)

 

Referência:

 

ANDRADE, Mário. Momento. In: __________. Poesias completas. Vol. 2. Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2013. p. 107.

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