O ente lírico
comove-se com as particularidades vivenciadas pelos “solteirões” – provavelmente,
ele próprio um deles –, a gramar “sonhos imorais”, “ofegando em suspiros
apertados”: é no calor da noite que as coisas sucedem, quando tudo se espera por
quem está no “cio” – como diria o Guilherme Arantes, em “Olhos Vermelhos”.
Na noite que “hesita
em seguir adiante”, com ânimo para suster a modulação pulsante deitando-se sobre
“hortênsias”, o falante vela “condescendentemente” o “sono dos burgueses” –
casais, virgens e crianças –, evidenciando, desse modo, um misto de retração e de
sentinela diante de sujeitos que não estão à vista, nas ruas, senão presumidos em
seus ambientes domésticos.
J.A.R. – H.C.
Mário de Andrade
(1893-1945)
Momento
Com este calor quem
dormiria...
A escureza se ajunta
em minha rua,
Encapuça a cabeça
alemã dos lampiões.
Eu careço de alguém...
Meus olhos catam a
escuridão
Porém calor somente
se mexendo
Sob a vigilância
implacável dos astros.
Parece que os
burgueses dormem...
Casais suados
Virgens vazias
Crianças
descobertas...
O que mais me comove
é pensar nos solteirões.
Os solteirões
mastigam o silêncio.
Os solteirões viram
de lado
Ofegando em suspiros
apertados.
São sonhos imorais...
A noite hesita em
seguir pra diante.
De repente se deita
nas hortênsias!
E eu velo...
Eu velo o sono dos
burgueses,
Condescendentemente.
(1924)
Noite na cidade
(Debra Hurd: artista
norte-americana)
Referência:
ANDRADE, Mário.
Momento. In: __________. Poesias completas. Vol. 2. Edição de
texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Tatiana Longo Figueiredo e
Telê Ancona Lopez. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2013. p. 107.
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