Mais que o poema em
si, o que me intrigou nestes versos foi o título que lhes foi atribuído pelo poeta
– “Parágrafo”: uma vez que a epígrafe, quando existente, diz muito sobre a ideia
sobre a qual se assentam as linhas dispostas na página, tentar dilucidar-lhes o
sentido ou o conteúdo, sem qualquer suporte, passa a ser um exercício inglório
de interpretação.
Mas vai aqui um “brainstorming”:
a pauta enunciativa quase nos faz lembrar a da “Canção do Exílio”, de Gonçalves
Dias (e coincidência ou não, ambos os poemas têm cinco estrofes), muito embora
a forma de progressão no poema de Cascão Júnior parta de asserções mais simples
que ganham contornos de minudências a cada passo, numa evolução circular ou
elíptica, como ondas que se reforçam e, por fim, se dissolvem numa praia.
Veja-se que o falante
não se encontra “exilado”, senão no aconchego do lar, e todas as suas declinadas
considerações sobre objetos e pessoas bem podem estar refletidas em conjunção à
sua própria imagem nos espelhos distribuídos pela casa.
Se o leitor julga que
um ambiente tão restrito quando o de uma residência possa ser limitante para a
extensão das abstrações capazes de povoar poemários ou tomos de prosa, seria
melhor reconsiderar o seu ponto de vista: sugiro a leitura do aprazível livreto
“Viagem ao redor do meu quarto”, do francês Xavier de Maistre (1763-1852)!
Finalmente: “Parágrafo”,
porventura, seria um “Ponto Final” nessa linha de regressão das coisas ao
infinito?! (rs)
J.A.R. – H.C.
Cascão Júnior
(n. 1949)
Parágrafo
Minha casa
tem paredes
tem retratos nas
paredes.
Minha casa
tem mesas
tem vasos em cima das
mesas
tem flores
dentro dos vasos
tem luzes no teto
e
tapetes no chão.
Minha casa tem jardim
tem flores
no jardim
as mesmas
que ficam nos vasos
em cima das mesas.
Minha casa tem
cadeiras
tem pessoas
nas cadeiras
as mesmas
que estão nos
retratos
das paredes.
Minha casa
tem espelhos
que me mostram em
minha casa.
Brasília, 05.01.1972
Flores sobre a mesa
(Ivan Shuykov: pintor
russo)
Referência:
CASCÃO JÚNIOR. Vomivempo.
Prefácio de Maria Helena de Freitas Zanetti. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Mai
Editora, 1974. p. s/n.
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