Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 11 de junho de 2023

Khalil Gibran - Sobre o dar

Pode-se ler esta exposição de Gibran, sobre o ato de prover doações, e associá-la a muitas passagens das Novas Escrituras, a exemplo de 1 Cor 13:13, sobre as três virtudes teologais – a fé, a esperança e a caridade –, sendo esta última colocada em proeminência, segundo as palavras do apóstolo Paulo.

 

Ou, ainda, em Mt 6:1-4, acerca da admoestação de Cristo àqueles que doam e fazem “tocar trombeta” diante de si, “como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas”, quando então já terão recebido o seu “galardão”.

 

No âmbito das coisas públicas em Pindorama, vivencia-se quotidianamente o quanto a política neoliberal adotada pelo governo federal acirrou o problema da má distribuição de renda no país: as ruas encontram-se pejadas de pessoas requerendo donativos, junto a muitas outras que, à margem de qualquer formalidade fiscal, sustentam-se precariamente oferecendo bens e serviços no chamado “mercado marginal”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Khalil Gibran

(1883-1931)

 

Sobre o dar

 

Então um rico propôs: “Fale-nos do Dar”. E ele respondeu:

 

Vocês dão pouco ao se despojarem de suas posses. O verdadeiro dar é quando dão de si mesmos.

Pois que são essas posses além de coisas que conservam e guardam por recear que talvez delas precisem amanhã?

E amanhã, que trará o amanhã ao cachorro supercauteloso que enterra ossos na areia sem rastos, enquanto segue os peregrinos até a cidade santa?

E que é o temor da necessidade senão a própria necessidade?

Não é o medo que os faz sentir uma sede insaciável, mesmo quando vocês têm o poço cheio?

Há os que dão pouco do muito que possuem – e o fazem para serem admirados, e esse desejo oculto toma-lhes os donativos prejudiciais.

Como também existem os que pouco têm e tudo dão.

Trata-se dos que acreditam na vida e em sua generosidade, e o cofre deles jamais fica vazio.

Há os que dão com alegria, e essa alegria é sua recompensa.

E há os que dão com pesar, o qual constitui seu batismo.

Existem ainda os que dão sem pesar ou alegria e tampouco o dão com a consciência de virtude; dão como ali no vale o mirto exala a fragrância ao espaço.

Pelas mãos de pessoas assim, Deus fala, e do fundo dos olhos delas Ele sorri para a Terra.

É bom dar quando alguma coisa lhes for pedida, mas o melhor consiste em dá-la sem que lhes seja pedida, por meio apenas da compreensão; para os mãos-abertas, a busca de alguém que receba proporciona uma alegria maior que a de dar.

E vocês têm algo de que não queiram abrir mão?

Tudo o que possuem será dado um dia; por isso, deem agora, para que o tempo da dádiva seja de vocês, e não de seus herdeiros.

Muitas vezes, vocês dizem: ‘‘Quero dar, mas só para os que merecem”.

Não é o que dizem as árvores no pomar, nem os rebanhos no pasto que os cerca.

Eles dão para que possam viver, pois reter é perecer.

Com certeza, aquele que merece receber os dias e as noites também merece tudo o mais de vocês.

Aquele que mereceu beber no mar da vida merece encher a taça no pequeno riacho de vocês.

Que maior recompensa haverá do que a baseada na coragem e na confiança, não na caridade, de receber?

E quem são vocês para que os homens devam rasgar o peito e desvelar o orgulho, a fim de que lhes possam ver o valor desnudo e o orgulho sem pudor?

Examinem primeiro se vocês merecem ser doadores e instrumentos do dar.

Pois, na verdade, a vida é que dá à vida – enquanto vocês, que se julgam generosos, não passam de testemunhas.

E vocês, recebedores – todos o são –, não pressuponham a gratidão como um peso, para não pôr um jugo em si mesmos nem naquele que dá.

Em vez disso, elevem-se, com quem deu, nas suas dádivas, como se em asas.

Pois ficar supercônscios de suas dívidas é duvidar da generosidade que tem a terra magnânima como mãe e Deus como pai.

 

A caridade aliviando o infortúnio

(Thomas Gainsborough: pintor inglês)

 

Referência:

 

GIBRAB, Khalil. Sobre o dar. In: __________. O profeta. Tradução de Alda Porto. São Paulo, SP: Martin Claret, 2013. p. 29-33. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’; n. 165)

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