Pode-se ler esta
exposição de Gibran, sobre o ato de prover doações, e associá-la a muitas passagens
das Novas Escrituras, a exemplo de 1 Cor 13:13, sobre as três virtudes teologais
– a fé, a esperança e a caridade –, sendo esta última colocada em proeminência,
segundo as palavras do apóstolo Paulo.
Ou, ainda, em Mt 6:1-4,
acerca da admoestação de Cristo àqueles que doam e fazem “tocar trombeta”
diante de si, “como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas”, quando então
já terão recebido o seu “galardão”.
No âmbito das coisas
públicas em Pindorama, vivencia-se quotidianamente o quanto a política neoliberal
adotada pelo governo federal acirrou o problema da má distribuição de renda no
país: as ruas encontram-se pejadas de pessoas requerendo donativos, junto a
muitas outras que, à margem de qualquer formalidade fiscal, sustentam-se
precariamente oferecendo bens e serviços no chamado “mercado marginal”.
J.A.R. – H.C.
Khalil Gibran
(1883-1931)
Sobre o dar
Então um rico propôs:
“Fale-nos do Dar”. E ele respondeu:
Vocês dão pouco ao se
despojarem de suas posses. O verdadeiro dar é quando dão de si mesmos.
Pois que são essas
posses além de coisas que conservam e guardam por recear que talvez delas precisem
amanhã?
E amanhã, que trará o
amanhã ao cachorro supercauteloso que enterra ossos na areia sem rastos,
enquanto segue os peregrinos até a cidade santa?
E que é o temor da
necessidade senão a própria necessidade?
Não é o medo que os
faz sentir uma sede insaciável, mesmo quando vocês têm o poço cheio?
Há os que dão pouco
do muito que possuem – e o fazem para serem admirados, e esse desejo oculto toma-lhes
os donativos prejudiciais.
Como também existem
os que pouco têm e tudo dão.
Trata-se dos que
acreditam na vida e em sua generosidade, e o cofre deles jamais fica vazio.
Há os que dão com
alegria, e essa alegria é sua recompensa.
E há os que dão com
pesar, o qual constitui seu batismo.
Existem ainda os que
dão sem pesar ou alegria e tampouco o dão com a consciência de virtude; dão
como ali no vale o mirto exala a fragrância ao espaço.
Pelas mãos de pessoas
assim, Deus fala, e do fundo dos olhos delas Ele sorri para a Terra.
É bom dar quando
alguma coisa lhes for pedida, mas o melhor consiste em dá-la sem que lhes seja
pedida, por meio apenas da compreensão; para os mãos-abertas, a busca de alguém
que receba proporciona uma alegria maior que a de dar.
E vocês têm algo de
que não queiram abrir mão?
Tudo o que possuem
será dado um dia; por isso, deem agora, para que o tempo da dádiva seja de
vocês, e não de seus herdeiros.
Muitas vezes, vocês
dizem: ‘‘Quero dar, mas só para os que merecem”.
Não é o que dizem as
árvores no pomar, nem os rebanhos no pasto que os cerca.
Eles dão para que
possam viver, pois reter é perecer.
Com certeza, aquele
que merece receber os dias e as noites também merece tudo o mais de vocês.
Aquele que mereceu
beber no mar da vida merece encher a taça no pequeno riacho de vocês.
Que maior recompensa
haverá do que a baseada na coragem e na confiança, não na caridade, de receber?
E quem são vocês para
que os homens devam rasgar o peito e desvelar o orgulho, a fim de que lhes
possam ver o valor desnudo e o orgulho sem pudor?
Examinem primeiro se
vocês merecem ser doadores e instrumentos do dar.
Pois, na verdade, a
vida é que dá à vida – enquanto vocês, que se julgam generosos, não passam de
testemunhas.
E vocês, recebedores –
todos o são –, não pressuponham a gratidão como um peso, para não pôr um jugo em
si mesmos nem naquele que dá.
Em vez disso,
elevem-se, com quem deu, nas suas dádivas, como se em asas.
Pois ficar supercônscios
de suas dívidas é duvidar da generosidade que tem a terra magnânima como mãe e
Deus como pai.
A caridade aliviando
o infortúnio
(Thomas Gainsborough:
pintor inglês)
Referência:
GIBRAB, Khalil. Sobre
o dar. In: __________. O profeta. Tradução de Alda Porto. São Paulo, SP:
Martin Claret, 2013. p. 29-33. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’; n. 165)
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