Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Jorge Luis Borges - Ode Escrita em 1966

A pátria é “esse límpido fogo misterioso”, definido por Borges muito mais com o auxílio de asserções negativas (“Ninguém é a pátria) do que positivas – e, mesmo neste último caso, delimitada de uma maneira paradoxal em cotejo aos enunciados primeiros (“Ninguém é a pátria, mas a somos todos”).

 

Parece-me que o autor argentino busca descontruir a representação de que a ideia de pátria esteja diretamente associada aos seus fundadores, patriarcas ou a quem quer que seja um comum do povo, individualizada e heroicamente, senão pelo coletivo, a quem se atribui o múnus de manter acesos os ideais pelos quais lutaram os antepassados – no caso, os valores da estirpe argentina.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Luis Borges

(1899-1986)

 

Oda Escrita en 1966

 

Nadie es la patria. Ni siquiera el jinete

que, alto en el alba de una plaza desierta,

rige un corcel de bronce por el tiempo,

ni los otros que miran desde el mármol,

ni los que prodigaron su bélica ceniza

por los campos de América

o dejaron un verso o una hazaña

o la memoria de una vida cabal

en el justo ejercicio de los días.

Nadie es la patria. Ni siquiera los símbolos.

 

Nadie es la patria. Ni siquiera el tiempo

cargado de batallas, de espadas y de éxodos

y de la lenta población de regiones

que lindan con la aurora y el ocaso,

y de rostros que van envejeciendo

en los espejos que se empañan

y de sufridas agonías anónimas

que duran hasta el alba

y de la telaraña de la lluvia

sobre negros jardines.

 

La patria, amigos, es un acto perpetuo

como el perpetuo mundo. (Si el Eterno

Espectador dejara de soñarnos

un solo instante, nos fulminaría,

blanco y brusco relámpago, Su olvido.)

Nadie es la patria, pero todos debemos

ser dignos del antiguo juramento

que prestaron aquellos caballeros

de ser lo que ignoraban, argentinos,

de ser lo que serían por el hecho

de haber jurado en esa vieja casa.

Somos el porvenir de esos varones,

la justificación de aquellos muertos;

nuestro deber es la gloriosa carga

que a nuestra sombra legan esas sombras

que debemos salvar.

 

Nadie es la patria, pero todos lo somos.

Arda en mi pecho y en el vuestro, incesante,

ese límpido fuego misterioso.

 

Pátria VII

(Tanja Vetter: artista alemã)

 

Ode Escrita em 1966

 

Ninguém é a pátria. Nem mesmo o ginete

Que, alto no albor de uma praça deserta,

Monta um corcel de bronze tempo afora,

Nem esses que do mármore nos miram,

Nem os que a cinza bélica espalharam

Pelos campos da América

Ou deixaram um verso ou uma façanha

Ou a memória de uma vida íntegra

No correto exercício de seus dias.

Ninguém é a pátria. Nem sequer os símbolos.

 

Ninguém é a pátria. Nem sequer o tempo

Repleto de batalhas, de espadas e de êxodos

E a lenta povoação dos territórios

Fronteiriços da aurora e do crepúsculo,

E de faces que vão envelhecendo

Nos espelhos que se embaçam

E de sofridas agonias anônimas

Que vão até a aurora

E de teias de aranha sob a chuva

No negror dos jardins.

 

A pátria, amigos, é um ato perpétuo

Como é perpétuo o mundo. (Se o Eterno

Espectador deixasse de sonhar-nos

Um só instante, nos fulminaria,

Branco e brusco relâmpago, Seu lapso.)

Ninguém é a pátria, porém todos devemos

Ser dignos desse antigo juramento

Que prestaram aqueles cavaleiros

De ser o que ignoravam, argentinos,

De ser o que seriam pelo fato

De haver jurado nesta velha casa.

Somos o porvir de tais varões,

A justificativa desses mortos;

Nosso dever é a gloriosa carga

Que à nossa sombra legam essas sombras

Que devemos salvar.

 

Ninguém é a pátria, mas a somos todos.

Arda em meu peito e no vosso, incessante,

Este límpido fogo misterioso.

 

Referência:

 

BORGES, Jorge Luis. Oda escrita en 1966 / Ode escrita em 1966. Tradução de Ivo Barroso. In: BARROSO, Ivo (Organização e Tradução). O torso e o gato: o melhor da poesia universal. Prefácio de Antonio Houaiss. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em espanhol: p. 204 e 206; em português: p. 205 e 207.

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