A pátria é “esse límpido
fogo misterioso”, definido por Borges muito mais com o auxílio de asserções
negativas (“Ninguém é a pátria) do que positivas – e, mesmo neste último caso, delimitada
de uma maneira paradoxal em cotejo aos enunciados primeiros (“Ninguém é a
pátria, mas a somos todos”).
Parece-me que o autor
argentino busca descontruir a representação de que a ideia de pátria esteja
diretamente associada aos seus fundadores, patriarcas ou a quem quer que seja um
comum do povo, individualizada e heroicamente, senão pelo coletivo, a quem se
atribui o múnus de manter acesos os ideais pelos quais lutaram os antepassados –
no caso, os valores da estirpe argentina.
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Oda Escrita en 1966
Nadie es la patria.
Ni siquiera el jinete
que, alto en el alba
de una plaza desierta,
rige un corcel de bronce
por el tiempo,
ni los otros que
miran desde el mármol,
ni los que prodigaron
su bélica ceniza
por los campos de
América
o dejaron un verso o
una hazaña
o la memoria de una
vida cabal
en el justo ejercicio
de los días.
Nadie es la patria.
Ni siquiera los símbolos.
Nadie es la patria.
Ni siquiera el tiempo
cargado de batallas,
de espadas y de éxodos
y de la lenta
población de regiones
que lindan con la
aurora y el ocaso,
y de rostros que van
envejeciendo
en los espejos que se
empañan
y de sufridas agonías
anónimas
que duran hasta el
alba
y de la telaraña de
la lluvia
sobre negros
jardines.
La patria, amigos, es
un acto perpetuo
como el perpetuo
mundo. (Si el Eterno
Espectador dejara de
soñarnos
un solo instante, nos
fulminaría,
blanco y brusco
relámpago, Su olvido.)
Nadie es la patria,
pero todos debemos
ser dignos del
antiguo juramento
que prestaron
aquellos caballeros
de ser lo que
ignoraban, argentinos,
de ser lo que serían
por el hecho
de haber jurado en
esa vieja casa.
Somos el porvenir de
esos varones,
la justificación de
aquellos muertos;
nuestro deber es la
gloriosa carga
que a nuestra sombra
legan esas sombras
que debemos salvar.
Nadie es la patria,
pero todos lo somos.
Arda en mi pecho y en
el vuestro, incesante,
ese límpido fuego
misterioso.
Pátria VII
(Tanja Vetter: artista
alemã)
Ode Escrita em 1966
Ninguém é a pátria.
Nem mesmo o ginete
Que, alto no albor de
uma praça deserta,
Monta um corcel de
bronze tempo afora,
Nem esses que do
mármore nos miram,
Nem os que a cinza
bélica espalharam
Pelos campos da
América
Ou deixaram um verso
ou uma façanha
Ou a memória de uma
vida íntegra
No correto exercício
de seus dias.
Ninguém é a pátria.
Nem sequer os símbolos.
Ninguém é a pátria.
Nem sequer o tempo
Repleto de batalhas,
de espadas e de êxodos
E a lenta povoação
dos territórios
Fronteiriços da
aurora e do crepúsculo,
E de faces que vão
envelhecendo
Nos espelhos que se
embaçam
E de sofridas agonias
anônimas
Que vão até a aurora
E de teias de aranha
sob a chuva
No negror dos
jardins.
A pátria, amigos, é
um ato perpétuo
Como é perpétuo o
mundo. (Se o Eterno
Espectador deixasse
de sonhar-nos
Um só instante, nos
fulminaria,
Branco e brusco
relâmpago, Seu lapso.)
Ninguém é a pátria,
porém todos devemos
Ser dignos desse
antigo juramento
Que prestaram aqueles
cavaleiros
De ser o que
ignoravam, argentinos,
De ser o que seriam
pelo fato
De haver jurado nesta
velha casa.
Somos o porvir de
tais varões,
A justificativa
desses mortos;
Nosso dever é a
gloriosa carga
Que à nossa sombra
legam essas sombras
Que devemos salvar.
Ninguém é a pátria,
mas a somos todos.
Arda em meu peito e
no vosso, incessante,
Este límpido fogo
misterioso.
Referência:
BORGES, Jorge Luis. Oda escrita en 1966 / Ode escrita em 1966. Tradução de Ivo Barroso. In: BARROSO, Ivo (Organização e Tradução). O torso e o gato: o melhor da poesia universal. Prefácio de Antonio Houaiss. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em espanhol: p. 204 e 206; em português: p. 205 e 207.
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