Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 16 de junho de 2023

José Ferreira Simões - Teogravidez

Não uma gravidez convencional, redundante de um relacionamento sexual, senão um embaraço decorrente da fé em Deus, depois de adormecer em Sua presença, para, em suma, tornar mais categórica a vitória do amor: metaforizada em uma “mulher nua”, é a vida que extravasa perene nesse rio natural – cíclica, mas perene!

 

A imagística empregada nos versos tem muito de religiosa – “hóstias”, “crença”, “memórias póstumas” –, muito a desvelar um sentido de renascimento, de renovação, diante de um Deus presumidamente transcendente – “que não chega / nem passa nunca” –, mas que desborda imanente neste mundo de esperas.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Ferreira Simões

(n. 1948)

 

Teogravidez

 

A vida

é uma mulher nua

que se pergunta

o que fazer

com esse Deus

que não chega

nem passa nunca

e com a eterna certeza

de que a natureza não morre,

mas se dissolve em hóstias

e memórias póstumas

que os corpos comem

para alimentar a crença

de que o amor vença.

Ela mesma se responde,

sem sofisma sensual,

que vai dormir com Deus

para acordar

grávida de fé.

 

Anunciação

(Henry Ossawa Tanner: pintor norte-americano)

 

Referência:

 

SIMÕES, José Ferreira. Teogravidez. In: __________. Alta fidelidade: coletânea de poemas. 1. ed. Brasília, DF: Distrital Gráfica e Editora, 2018. p. 22.

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