Não uma gravidez
convencional, redundante de um relacionamento sexual, senão um embaraço
decorrente da fé em Deus, depois de adormecer em Sua presença, para, em suma,
tornar mais categórica a vitória do amor: metaforizada em uma “mulher nua”, é a
vida que extravasa perene nesse rio natural – cíclica, mas perene!
A imagística empregada
nos versos tem muito de religiosa – “hóstias”, “crença”, “memórias póstumas” –,
muito a desvelar um sentido de renascimento, de renovação, diante de um Deus
presumidamente transcendente – “que não chega / nem passa nunca” –, mas que
desborda imanente neste mundo de esperas.
J.A.R. – H.C.
José Ferreira Simões
(n. 1948)
Teogravidez
A vida
é uma mulher nua
que se pergunta
o que fazer
com esse Deus
que não chega
nem passa nunca
e com a eterna
certeza
de que a natureza não
morre,
mas se dissolve em
hóstias
e memórias póstumas
que os corpos comem
para alimentar a
crença
de que o amor vença.
Ela mesma se
responde,
sem sofisma sensual,
que vai dormir com
Deus
para acordar
grávida de fé.
Anunciação
(Henry Ossawa Tanner:
pintor norte-americano)
Referência:
SIMÕES, José
Ferreira. Teogravidez. In: __________. Alta fidelidade: coletânea de
poemas. 1. ed. Brasília, DF: Distrital Gráfica e Editora, 2018. p. 22.
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