Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Eduarda Chiote - Aceitar a Perda

Como se poderia metaforizar a morte – talvez não num sentido exatamente físico, senão pelo olvido ou pela decadência –, em franco movimento de aproximação, para alguém que, como a poetisa, incorpora o espírito fecundo de uma infante, a quem são prescritas impertinentes regras de comedimento?!

 

Deserto, um branco indiferente e cruel, combinando com neve e mortalha, mas também com leite manando do seio – a saciar a fome e o desejo –, isto porque a morte, segundo a falante, seria a “única mãe”: o rio aparenta estar secando e o epigrafado édito sugere “aceitar a perda”, denotando, por conseguinte, um impulso mais para capitular do que para resistir.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eduarda Chiote

(n. 1930)

 

Aceitar a Perda

 

Estou a morrer e ninguém me diz se por desuso

ou educado

esquecimento.

Para onde, em segredo

deserto.

Ouve: quem sou?

O que é um poeta? Uma criança,

filha

da rima

a quem se diz não fales com a boca cheia? Tira os cotovelos

de cima da mesa?

Tantas palavras. Muitas são as que não distingo.

Branco,

por exemplo.

Embora escute branco como a neve,

uma mortalha,

o leite: Acaso, branca, a fome masculina

do teu seio

também? – Pensava que o desejo era branco.

Mas branco, branco, terrivelmente branco,

apenas o olhar

que vendo se vê demasiado

e em pura crueldade

e indiferença,

ó morte – única mãe.

 

Velhas Memórias

(Laura Gomez: artista mexicana)

 

Referência:

 

CHIOTE, Eduarda. Aceitar a perda. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1585.

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