Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 27 de junho de 2023

Xavier Villaurrutia - Noturno da Estátua

Ao encalço de uma realidade de sonho, na qual lugares e formas têm o poder de se transfigurar a cada momento, o falante não logra capturar o que de fato tem em vista, tampouco parece vislumbrar meios de decifração capazes de dar conta do que representa a fugidia estátua que o assombra nos primeiros versos do poema abaixo.

 

Uma vez “assassinada”, a estátua fica ao seu alcance como uma “inesperada irmã”, com quem passa a brincar até ouvi-la dizer que está “morta de sono”: se tudo nas palavras de Villaurrutia não for um jogo de surrealistas aparências, talvez não fosse irrazoável tomar a estátua como uma alegoria para a verdade (hoje tão preterida e torturada ante a implacável prevalência das “fake news”!) (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Xavier Villaurrutia

(1903-1950)

 

Nocturno de la Estatua

 

Soñar, soñar la noche, la calle, la escalera

y el grito de la estatua desdoblando la esquina.

 

Correr hacia la estatua y encontrar sólo el grito,

querer tocar el grito y sólo hallar el eco,

querer asir el eco y encontrar sólo el muro

y correr hacia el muro y tocar un espejo.

Hallar en el espejo la estatua asesinada,

sacarla de la sangre de su sombra,

vestirla en un cerrar de ojos,

acariciarla como a una hermana imprevista

y jugar con las fichas de sus dedos

y contar a su oreja cien veces cien cien veces

hasta oírla decir: “estoy muerta de sueño”.

 

Mulher ao Espelho

(Pablo Picasso: pintor espanhol)

 

Noturno da Estátua

 

Sonhar, sonhar a noite, a rua, a escada

e o grito da estátua a dobrar a esquina.

 

Correr até a estátua e encontrar apenas o grito,

querer tocar o grito e apenas achar o eco,

querer agarrar o eco e encontrar apenas o muro

e correr até o muro e tocar um espelho.

Achar no espelho a estátua assassinada,

arrancá-la do sangue de sua sombra,

vesti-la em um piscar de olhos,

acariciá-la como a uma imprevista irmã,

brincar com as fichas de seus dedos

e contar em seu ouvido cem vezes cem cem vezes

até escutá-la dizer: “estou morta de sono”.

 

Referência:

 

VILLAURRUTIA, Xavier. Nocturno de la estatua. In: TAPSCOTT, Stephen (Ed.). Twentieth-century latin american poetry: a bilingual anthology. 5th paperback printing. Austin, TX: University of Texas Press, 2003. p. 200.

Nenhum comentário:

Postar um comentário