Ao encalço de uma
realidade de sonho, na qual lugares e formas têm o poder de se transfigurar a cada
momento, o falante não logra capturar o que de fato tem em vista, tampouco
parece vislumbrar meios de decifração capazes de dar conta do que representa a
fugidia estátua que o assombra nos primeiros versos do poema abaixo.
Uma vez “assassinada”,
a estátua fica ao seu alcance como uma “inesperada irmã”, com quem passa a brincar
até ouvi-la dizer que está “morta de sono”: se tudo nas palavras de Villaurrutia
não for um jogo de surrealistas aparências, talvez não fosse irrazoável tomar a
estátua como uma alegoria para a verdade (hoje tão preterida e torturada ante a
implacável prevalência das “fake news”!) (rs)
J.A.R. – H.C.
Xavier Villaurrutia
(1903-1950)
Nocturno de la
Estatua
Soñar, soñar la
noche, la calle, la escalera
y el grito de la
estatua desdoblando la esquina.
Correr hacia la
estatua y encontrar sólo el grito,
querer tocar el grito
y sólo hallar el eco,
querer asir el eco y
encontrar sólo el muro
y correr hacia el
muro y tocar un espejo.
Hallar en el espejo
la estatua asesinada,
sacarla de la sangre
de su sombra,
vestirla en un cerrar
de ojos,
acariciarla como a
una hermana imprevista
y jugar con las fichas
de sus dedos
y contar a su oreja
cien veces cien cien veces
hasta oírla decir: “estoy
muerta de sueño”.
Mulher ao Espelho
(Pablo Picasso: pintor
espanhol)
Noturno da Estátua
Sonhar, sonhar a
noite, a rua, a escada
e o grito da estátua a
dobrar a esquina.
Correr até a estátua
e encontrar apenas o grito,
querer tocar o grito
e apenas achar o eco,
querer agarrar o eco
e encontrar apenas o muro
e correr até o muro e
tocar um espelho.
Achar no espelho a
estátua assassinada,
arrancá-la do sangue
de sua sombra,
vesti-la em um piscar
de olhos,
acariciá-la como a
uma imprevista irmã,
brincar com as fichas
de seus dedos
e contar em seu
ouvido cem vezes cem cem vezes
até escutá-la dizer: “estou
morta de sono”.
Referência:
VILLAURRUTIA, Xavier.
Nocturno de la estatua. In: TAPSCOTT, Stephen (Ed.). Twentieth-century latin
american poetry: a bilingual anthology. 5th paperback printing. Austin, TX:
University of Texas Press, 2003. p. 200.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário