Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 18 de junho de 2023

Pablo Neruda - Ode ao Livro (I)

Não que destrate a forma e o conteúdo dos livros – afinal, os tomos de poemários de Neruda são tantos! –, mas o poeta opta por enfatizar a prevalência do viver, do lutar, do amar, da relação com os outros homens, sobre qualquer forma de aprendizagem livresca, porque há muito mais consistência e densidade na bagagem que se acumula no correr dos dias, do que se poderia reduzir a palavras – aliás, nem sempre autênticas e conformes ao vivenciado.

 

É como se Neruda dialogasse com Mallarmé e lhe garantisse que o mais substantivo componente de toda experiência humana resiste a ser reduzido ou compendiado num livro. Alguém, por outro lado, poderia propor um ponto médio, nem tanto ao mar nem tanto à terra: podemos “ler” a vida quer a partir do que se passa nas ruas e nos lares, quer quando recolhida em linhas bem grafadas – como as do próprio Neruda!

 

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

Oda al Libro (I)

 

Libro, cuando te cierro

abro la vida.

Escucho

entrecortados gritos

en los puertos.

Los lingotes del cobre

cruzan los arenales,

bajan a Tocopilla.

Es de noche.

Entre la islas

nuestro océano

palpita con sus peces.

Toca los pies, los muslos,

las costillas calcáreas

de mi patria.

Toda la noche pega en sus orillas

y con la luz del día

amanece cantando

como si despertara una guitarra.

 

A mí me llama el golpe

del océano. A mí

me llama el viento,

y Rodríguez me llama,

José Antonio,

recibí un telegrama

del sindicato ‘Mina’

y ella, la que yo amo

(no les diré su nombre),

me espera en Bucalemu.

 

Libro, tú no has podido

empapelarme,

no me llenaste

de tipografía,

de impresiones celestes,

no pudiste

encuadernar mis ojos,

salgo de ti a poblar las arboledas

con la ronca familia de mi canto,

a trabajar metales encendidos

o a comer carne asada

junto al fuego en los montes.

Amo los libros

exploradores,

libros con bosque o nieve,

profundidad o cielo,

pero

odio

el libro araña

en donde el pensamiento

fué disponiendo alambre venenoso

para que allí se enrede

la juvenil y circundante mosca.

Libro, déjame libre.

Yo no quiero ir vestido

de volumen,

yo no vengo de un tomo,

mis poemas

no han comido poemas,

devoran

apasionados acontecimientos,

se nutren de intemperie,

extraen alimento

de la tierra y los hombres.

Libro, déjame andar por los caminos

con polvo en los zapatos

y sin mitología:

vuelve a tu biblioteca,

yo me voy por las calles.

 

He aprendido la vida

de la vida,

el amor lo aprendí de un solo beso,

y no pude enseñar a nadie nada

sino lo que he vivido,

cuanto tuve en común con otros hombres,

cuanto luché con ellos:

cuanto expresé de todos en mi canto.

 

Lendo um Livro

(Trayko Popov: artista búlgaro)

 

Ode ao Livro (I)

 

Livro, quando te fecho

abro a vida.

Escuto

entrecortados gritos

nos portos.

Os lingotes de cobre

cruzam os bancos de areia,

descem até Tocopilla.

É de noite.

Entre as ilhas

nosso oceano

palpita com seus peixes.

Toca os pés, as coxas,

as costelas calcárias

de minha pátria.

A noite inteira chega às suas margens

e com a luz do dia

amanhece cantando

como se despertasse uma viola.

 

Chama-me o rugido

do oceano. Chama-me

o vento,

e Rodríguez me chama,

José Antonio,

recebi um telegrama

do sindicato ‘Mina’

e ela, a que eu amo

(não lhes direi seu nome)

me espera em Bucalemu.

 

Livro, não me pudeste

empapelar,

não me encheste

de tipografia,

de impressões celestes,

não pudeste

encadernar meus olhos,

saio de ti a povoar os arvoredos

com a rouca família de meu canto,

a trabalhar metais em brasas

ou a comer carne assada

junto ao fogo nos montes.

Amo os livros

exploradores,

livros com bosque ou neve,

profundidade ou céu,

mas

odeio

o livro aranha

onde o pensamento

foi dispondo arame venenoso

para que ali se enrede

a juvenil e circundante mosca.

Livro, deixa-me livre.

Não quero andar vestido

de volume,

não venho de um tomo,

meus poemas

não comeram poemas,

devoram

apaixonados acontecimentos,

nutrem-se de intempéries,

extraem alimento

da terra e dos homens.

Livro, deixa-me percorrer os caminhos

com poeira nos sapatos

e sem mitologia:

volta à tua biblioteca,

ao passo que vou pelas ruas.

 

Aprendi a vida

com a vida,

o amor aprendi com um único beijo,

e não pude ensinar nada a ninguém

senão o que vivi,

o quanto tive em comum com outros homens,

o quanto lutei com eles:

o quanto de todos externei em meu canto.

 

Referência:

 

Neruda, Pablo. Oda al libro (I). In: __________. Selected poems of Pablo Neruda. A bilingual edition: Spanish x English. Edited by Nathaniel Tarn. Translated by Anthony Kerrigan, W. S. Merwin, Alastair Reid and Nathaniel Tarn. 6th print. New York, NY: Delta Book, jun. 1978. p. 284, 286 and 288.

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