Não que destrate a
forma e o conteúdo dos livros – afinal, os tomos de poemários de Neruda são tantos!
–, mas o poeta opta por enfatizar a prevalência do viver, do lutar, do amar, da
relação com os outros homens, sobre qualquer forma de aprendizagem livresca,
porque há muito mais consistência e densidade na bagagem que se acumula no
correr dos dias, do que se poderia reduzir a palavras – aliás, nem sempre
autênticas e conformes ao vivenciado.
É como se Neruda
dialogasse com Mallarmé e lhe garantisse que o mais substantivo componente de
toda experiência humana resiste a ser reduzido ou compendiado num livro. Alguém,
por outro lado, poderia propor um ponto médio, nem tanto ao mar nem tanto à
terra: podemos “ler” a vida quer a partir do que se passa nas ruas e nos lares,
quer quando recolhida em linhas bem grafadas – como as do próprio Neruda!
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Oda al Libro (I)
Libro, cuando te
cierro
abro la vida.
Escucho
entrecortados gritos
en los puertos.
Los lingotes del
cobre
cruzan los arenales,
bajan a Tocopilla.
Es de noche.
Entre la islas
nuestro océano
palpita con sus
peces.
Toca los pies, los
muslos,
las costillas
calcáreas
de mi patria.
Toda la noche pega en
sus orillas
y con la luz del día
amanece cantando
como si despertara
una guitarra.
A mí me llama el
golpe
del océano. A mí
me llama el viento,
y Rodríguez me llama,
José Antonio,
recibí un telegrama
del sindicato ‘Mina’
y ella, la que yo amo
(no les diré su
nombre),
me espera en
Bucalemu.
Libro, tú no has
podido
empapelarme,
no me llenaste
de tipografía,
de impresiones
celestes,
no pudiste
encuadernar mis ojos,
salgo de ti a poblar
las arboledas
con la ronca familia
de mi canto,
a trabajar metales
encendidos
o a comer carne asada
junto al fuego en los
montes.
Amo los libros
exploradores,
libros con bosque o
nieve,
profundidad o cielo,
pero
odio
el libro araña
en donde el
pensamiento
fué disponiendo
alambre venenoso
para que allí se
enrede
la juvenil y
circundante mosca.
Libro, déjame libre.
Yo no quiero ir
vestido
de volumen,
yo no vengo de un
tomo,
mis poemas
no han comido poemas,
devoran
apasionados
acontecimientos,
se nutren de
intemperie,
extraen alimento
de la tierra y los
hombres.
Libro, déjame andar
por los caminos
con polvo en los
zapatos
y sin mitología:
vuelve a tu
biblioteca,
yo me voy por las
calles.
He aprendido la vida
de la vida,
el amor lo aprendí de
un solo beso,
y no pude enseñar a
nadie nada
sino lo que he
vivido,
cuanto tuve en común
con otros hombres,
cuanto luché con
ellos:
cuanto expresé de
todos en mi canto.
Lendo um Livro
(Trayko Popov:
artista búlgaro)
Ode ao Livro (I)
Livro, quando te
fecho
abro a vida.
Escuto
entrecortados gritos
nos portos.
Os lingotes de cobre
cruzam os bancos de
areia,
descem até Tocopilla.
É de noite.
Entre as ilhas
nosso oceano
palpita com seus
peixes.
Toca os pés, as
coxas,
as costelas calcárias
de minha pátria.
A noite inteira chega
às suas margens
e com a luz do dia
amanhece cantando
como se despertasse uma
viola.
Chama-me o rugido
do oceano. Chama-me
o vento,
e Rodríguez me chama,
José Antonio,
recebi um telegrama
do sindicato ‘Mina’
e ela, a que eu amo
(não lhes direi seu
nome)
me espera em
Bucalemu.
Livro, não me pudeste
empapelar,
não me encheste
de tipografia,
de impressões celestes,
não pudeste
encadernar meus
olhos,
saio de ti a povoar
os arvoredos
com a rouca família
de meu canto,
a trabalhar metais em
brasas
ou a comer carne
assada
junto ao fogo nos
montes.
Amo os livros
exploradores,
livros com bosque ou
neve,
profundidade ou céu,
mas
odeio
o livro aranha
onde o pensamento
foi dispondo arame
venenoso
para que ali se
enrede
a juvenil e
circundante mosca.
Livro, deixa-me
livre.
Não quero andar
vestido
de volume,
não venho de um tomo,
meus poemas
não comeram poemas,
devoram
apaixonados
acontecimentos,
nutrem-se de
intempéries,
extraem alimento
da terra e dos
homens.
Livro, deixa-me
percorrer os caminhos
com poeira nos
sapatos
e sem mitologia:
volta à tua
biblioteca,
ao passo que vou
pelas ruas.
Aprendi a vida
com a vida,
o amor aprendi com um
único beijo,
e não pude ensinar
nada a ninguém
senão o que vivi,
o quanto tive em
comum com outros homens,
o quanto lutei com
eles:
o quanto de todos externei
em meu canto.
Referência:
Neruda, Pablo. Oda al
libro (I). In: __________. Selected poems of Pablo Neruda. A bilingual
edition: Spanish x English. Edited by Nathaniel Tarn. Translated by Anthony
Kerrigan, W. S. Merwin, Alastair Reid and Nathaniel Tarn. 6th print. New York,
NY: Delta Book, jun. 1978. p. 284, 286 and 288.
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