O poeta empenha-se aqui
em expor o desamparo daqueles que não puderam prantear seus mortos de forma adequada,
vítimas que foram de um conflito bélico generalizado (2GM), enquanto civis que
nada tinham a ver com ela – judeus, ciganos e outras etnias nômades. Nessa
toda, Enzensberger alinha a temática poética às imagens e aos motivos expressos
na obra da poetisa alemã de ascendência judaica Nelly Sachs (1891-1970) – a
quem o poema é dedicado.
O desaparecimento indiferenciado,
em face da “redução ao pó”, denota a drasticidade da aniquilação então perpetrada,
ensejando o “esquecimento em massa”: os contornos líricos acabam, por isso mesmo,
confrangidos nos versos, pois que, para abordar conteúdo tão perverso quanto
perseguições e extermínios, somente o recurso ao choque, à execração, à
soturnidade.
J.A.R. – H.C.
Hans M. Enzensberger
(n. 1929)
Die Verschwundenen
für Nelly Sachs
Nicht die Erde hat
sie verschluckt. War es die Luft?
Wie der Sand sind sie
zahlreich, doch nicht zu Sand
sind sie geworden,
sondern zu nichte. In Scharen
sind sie vergessen.
Häufig und Hand in Hand,
wie die Minuten. Mehr
als wir,
doch ohne Andenken.
Nicht verzeichnet,
nicht abzulesen im
Staub, sondern verschwunden
sind ihre Namen,
Löffel und Sohlen.
Sie reuen uns nicht.
Es kann sich niemand
auf sie besinnen:
Sind sie geboren,
geflohen, gestorben?
Vermißt
sind sie nicht
worden. Lückenlos
ist die Welt, doch
zusammengehalten
von dem was sie nicht
behaust,
von den
Verschwundenen. Sie sind überall.
Ohne die Abwesenden
wäre nichts da.
Ohne die Flüchtigen
wäre nichts fest.
Ohne die Vergessenen
nichts gewiß.
Die Verschwundenen
sind gerecht.
So verschallen wir
auch.
Trincheiras
(Otto Dix: pintor
alemão)
Os Desaparecidos
a Nelly Sachs
Não foi a terra que
os engoliu. Foi o ar?
Tão numerosos como a
areia, mas não se tornaram
areia, e sim nada. Em
massa
foram esquecidos.
Muitas vezes, de mãos dadas,
como os minutos. Mais
do que nós,
porém sem memória.
Não registrados,
não decifráveis no
pó, mas desaparecidos
seus nomes, colheres
e solas.
Não nos fazem
arrepender. Ninguém
os lembra: nasceram,
fugiram, morreram?
Saudade deles
não se sente. Sem
vazios
é o mundo, porém
seguro
pelos que não moram
nele,
os desaparecidos.
Eles estão em todas as partes.
Sem os ausentes não
haveria nada.
Sem os fugitivos nada
seria firme.
Sem os esquecidos
nada seria certo.
Os desaparecidos são
justos.
Assim também se vão
nossos búzios.
Referência:
ENZENSBERGER, Hans
Magnus. Die verschwundenen / Os desaparecidos. Tradução de Kurt Scharf e
Armindo Trevisan. In: __________. Eu falo dos que não falam: antologia.
Edição bilíngue. Seleção dos textos de Kurt Scharf. Tradução de Kurt Scharf e
Armindo Trevisan. Prefácio de Bärbel Gutzat. São Paulo, SP: Brasiliense, 1985. Em
alemão e em português: p. 39.
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