Os versos de Sachs
soam como uma predição sobre os nossos dias, nos quais a figura do refugiado tornou-se
dominante em muitas regiões de conflito: note-se a inflexão de indiferença assente
nos versos, por parte daqueles que poderiam dar um trato político atenuante à conjuntura
– vale dizer, de um destino incógnito, no mais das vezes desventuroso, para
levas de exilados.
Para a poetisa, alemã
de origem judaica, poderiam ser evocadas as eloquentes palavras do Êxodo 22:21,
orientadas à compaixão e à expressão de solidariedade ao próximo: “Não
maltratareis nem oprimireis nenhum estrangeiro, pois vós mesmos fostes
estrangeiros nas terras do Egito”.
J.A.R. – H.C.
Nelly Sachs
(1891-1970)
Wie viele
Heimatländer
Wie viele
Heimatländer
spielen Karten in den
Lüften
wenn der Flüchtling
durchs Geheimnis geht
wie viel schlafende
Musik
im Gehölz der Zweige
wo der Wind einsam
den Geburtenhelfer
spielt.
Blitzgeöffnet
sät
Buchstaben-Springwurzelwald
in verschlingende
Empfängnis
Gottes erstes Wort.
Schicksal zuckt
in den blutbefahrenen
Meridianen einer Hand –
Alles endlos ist
und an Strahlen
einer Ferne
aufgehängt –
Im: “Flucht und
Verwandlung” (1959)
Os Retirantes
(Candido Portinari:
pintor paulista)
Quantas Pátrias
Quantas pátrias
jogam cartas no ar
enquanto o refugiado
transita pelo mistério
quanta música
adormecida
no frondoso bosque
onde o vento
solitário
interpreta a
parteira.
Um pérvio relâmpago
semeia
o alfabeto-rebento do
bosque primaveril
numa concepção voraz
da primeira palavra
de Deus.
O destino tem
espasmos
nos meridianos percorridos
pelo sangue de uma mão –
Tudo é infinito
e pendente de irradiações
a distância –
Em: “Fuga e
Transfiguração” (1959)
Referência:
SACHS, Nelly. Wie
viele heimatländer. In: __________. Fahrt ins staublose: die gedichte der
Nelly Sachs. Frankfurt am Main, DE: Suhrkamp Verlag, 1961. s. 313.
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