Este poema de Benn
seria o seu último e, deliberadamente, posicionado na abertura do volume de seus
“Poemas Coligidos”, publicados, de início em 1956, mesmo ano em que o poeta veio
a falecer de uma neoplasia na coluna.
Ao empreender um
rápido inventário dos leitos de morte de grandes homens ligados às letras – Droste-Hülshoff,
Hölderlin, Rilke, Stefan George, Nietzsche –, o poeta, presumivelmente,
tenciona invocar a ideia de que a morte atinge, de modo indiscriminado, figuras
eminentes e anônimas do povo, não devendo ela nos fulminar com antecipada tristura.
Mesmo objetos de
importância decisiva para as pessoas, com o tempo, tornam-se trastes, entrando
em “decadência eterna”, deixando, ao fim, simplesmente de existir, quer hajam
pertencido a pessoas famosas ou não: aos poetas resta o consolo e a expectativa
de que suas obras possam perdurar incólumes à passagem do tempo!
J.A.R. – H.C.
Gottfried Benn
(1886-1956)
Kann Keine Trauer
Sein
In jenem kleinen
Bett, fast Kinderbett, starb die Droste
(zu sehn in ihrem
Museum in Meersburg),
auf diesem Sofa
Hölderlin im Turm bei einem Schreiner,
Rilke, George wohl in
Schweizer Hospitalbetten,
in Weimar lagen die
großen schwarzen Augen
Nietzsches auf einem
weißen Kissen
bis zum letzten Blick
−
alles Gerümpel jetzt
oder garnicht mehr vorhanden,
unbestimmbar,
wesenlos
im schmerzlos-ewigen
Zerfall.
Wir tragen in uns
Keime aller Götter,
das Gen des Todes und
das Gen der Lust −
wer trennte sie: die
Worte und die Dinge,
wer mischte sie: die
Qualen und die Statt,
auf der sie enden,
Holz mit Tränenbächen,
für kurze Stunden ein
erbärmlich Heim.
Kann keine Trauer
sein. Zu fern, zu weit,
zu unberührbar Bett
und Tränen,
kein Nein, kein Ja,
Geburt und
Körperschmerz und Glauben
ein Wallen, namenlos,
ein Huschen,
ein Überirdisches, im
Schlaf sich regend,
bewegte Bett und
Tränen −
schlafe ein!
6. 1. 1956
A morte de Sêneca
(Manuel Domínguez
Sánchez: pintor espanhol)
Não Pode Haver
Tristeza
Naquela pequena cama,
quase um leito infantil, Droste faleceu
(veja-se em seu museu
de Meersburg),
Hölderlin, sobre um
sofá na torre de um marceneiro,
Rilke e George,
presumivelmente, em leitos hospitalares suíços,
Nietzsche, em Weimar,
descansando os grandes olhos negros
sobre uma almofada
branca
até o seu derradeiro
olhar –
tudo agora traste ou já
não ao absoluto dispor,
inatribuível,
insubstancial,
em sua impassível e eterna
decadência.
Trazemos dentro de
nós as sementes de todos os deuses,
os genes da morte e
do prazer –
quem os separou: as palavras
e as coisas;
quem os misturou: os
tormentos e o lugar
onde chegam ao fim, madeirame
e torrentes de lágrimas,
um lar miserável por breves
horas.
Não poder haver
tristeza. Tão longe, tão distante,
direcionada a
intangíveis lágrimas e leito,
nem não, nem sim,
nascimento e dor
corporal e fé,
um ondular inominável,
um disparar,
algo sobrenatural que
se agita no sono,
movendo lágrimas e
leito –
adormeça!
6. 1. 1956
Referência:
BENN, Gottfried. Kann
keine trauer sein. In: __________. Gesammelte Werke: Bd. 3 - Gedichte. Herausgegeben
von Dieter Wellershoff. 2. auflage. Berlin, DE: Limes Verlag, 1963. s. 5.
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