Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Sidnei Schneider - De como lidar com rio

Rio é qualquer mudança que nos sobrevém no curso da vida, a refletir a heraclitiana impermanência do mundo fenomênico, diante do qual só nos cabe desbravá-lo lançando mão de um “simples remo”, dando “forma ao nosso sonho de asas”, permitindo-nos assim atravessá-lo sem nos manter subjugados à vã pretensão de, pelo pensamento, imobilizar coisas essencialmente fluidas.

 

A “flor” – provável alegoria associada às realizações com potencial para tornar uma vida significativa e com sentido – mantém-se na margem oposta, como que a sinalizar o rumo a ser seguido pelos nautas, sem risco de descaminhos: sejamos como Ulisses a fugir das sereias – sem caudas de peixe, mas com asas de pássaro –, sempre desenvoltas em fascinar e extraviar os mortais!

 

J.A.R. – H.C.

 

Sidnei Schneider

(n. 1960)

 

De como lidar com rio

 

Represar um rio é impossível.

O rio insulta a barragem.

 

Se sustém uma folha calma de lago,

amplia suas pernas de Heráclito.

 

Veloz, recortará efígies das escarpas

e nas curvas fará ondas de mar.

 

 

Mas se segue da nascente à foz,

na outra margem é que está a flor.

 

Não é pisando em peixes

que conseguiremos atravessá-lo.

 

Largo, pinguela nele não cabe,

ponte não nos dará conhecê-lo.

 

 

Não seria sábio auscultar

o diário vaivém dos pássaros?

 

Com os braços dar forma

ao nosso sonho de asas?

 

De dentro domá-lo para sempre

com um simples remo.

 

Em: “Plano de Navegação” (1999)

 

Atravessando o rio

(Tyl Destoop: artista belga)

 

Referência:

 

SCHNEIDER, Sidnei. De como lidar com rio. In: VASQUES, Marco (Seleção e Organização). Moradas de Orfeu: antologia poética. Apresentação de Péricles Prade. Florianópolis, SC: Letras Contemporâneas, 2011. p. 379.

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