Decerto o falante,
neste poema, dirige-se à sua companheira, atribuindo-lhe predicados de “luz” e
de “manhã”, o que equivale à aurora com todas as suas riquezas simbólicas, bem
assim ao desabrochar para a plenitude, depois das trevas que esculpem os
escaninhos da noite, por onde a alma vaga aflita, envolta em temores.
Do subliminar à
consciência, do ceticismo à esperança, da invernia à primavera, do torpor ao
despertar: a rota de mutação representada, no fraseado de Pavese, por imagens subtraídas
à natureza e seus reiterados ciclos, trazendo renascenças, recomeços, outras
tantas oportunidades para experimentar o amor, o êxtase de momentos felizes.
J.A.R. – H.C.
Cesare Pavese
(1908-1950)
Lo spiraglio
dell’alba
In the morning
you always
come back (*)
Lo spiraglio dell’alba
respira con la tua
bocca
in fondo alle vie vuote.
Luce grigia i tuoi
occhi,
dolci gocce dell’alba
sulle colline scure.
Il tuo passo e il tuo
fiato
come il vento dell’alba
sommergono le case.
La città
abbrividisce,
odorano le pietre –
sei la vita, il
risveglio.
Stella sperduta
nella luce dell’alba,
cigolío della brezza,
tepore, respiro –
è finita la notte.
Sei la luce e il
mattino.
20 marzo ’50
O romper da aurora
(Marie-Line Vasseur:
artista canadense)
O vislumbre da alba
O vislumbre da alba
respira com teus lábios
ao fundo das ruas desertas.
Luz cinzenta os teus
olhos
doces pingos da alba
sobre colinas
escuras.
O teu passo e o teu
hálito
como o zéfiro da alba
submergem as casas.
A cidade se move,
trescalam as pedras
– és o despertar, a
vida.
Estrela perdida
na luz do alvorecer,
cicio da brisa,
tepidez, respiro
– terminou a noite.
És a luz e a manhã.
Nota:
(*). “Pela manhã,
sempre retornas”.
Referência:
PAVESE, Cesare. Lo
spiraglio dell’alba / O vislumbre da alba. Tradução de Henriqueta Lisboa. In:
LISBOA, Henriqueta. Poesia traduzida. Organização, introdução e notas de
Reinaldo Marques e Maria Eneida Victor Farias. Belo Horizonte, MG: Editora
UFMG, 2001. Em italiano: p. 438; em português: p. 439. (‘Inéditos &
Esparsos’)
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