Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Alda Merini - Canção do homem piedoso

Distintamente de certos homens que vilipendiam-lhe a palavra entronizada em seus livros, ultrajam-lhe o corpo, desatando-lhe infames beijos, o “homem piedoso”, benevolente e magnânimo, age em sentido contrário, com algum sentido de dever e de reverência, de modo a resgatar a dignidade da falante, restituindo-lhe a honradez.

 

Ao final do poema, a voz lírica se alterna para a do próprio homem piedoso, um “Ulisses atávico” que reaparece à sua Penélope, para, dessa forma, afastar os importunos pretendentes – ou como se diz na tradução do derradeiro verso, os “Cortejadores”: aterrorizada em seu castelo, a falante espera que o homem piedoso equivalha ao sujeito que virá libertá-la das garras do dragão. (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Alda Merini

(1931-2009)

 

Canzone dell’uomo pietoso

 

Presero i miei libri e li fecero in mille pezzetti

presero le mie mani e le buttarono ai pesci del mare.

Presero i miei inguini e li chiusero con una corda

presero i miei occhi e mi cecarono

presero il mio corpo e lo straziarono di baci impuri.

Ma venne l’uomo pietoso e mi baciò sui capelli

ma venne l’uomo pietoso e coperse i mille brandelli

ma venne l’uomo pietoso e guardò con rispetto il mio pube

e lo coprì con un bianco lenzuolo dal quale fu esente la colpa.

E venne l’uomo pietoso e mi baciò sulla bocca

e poi mi stese per terra e mi diede la sua parola.

Disse – io sono Nicola, io sono l’Evaso

colui che porta il suo bene al di là del bene e del male

io sono l’uomo che scappa, che ti ridarà la parola.

E l’uomo pietoso guardava lungo i miei occhi

e vi rimise la luce e vi ridiede la sorte

io ti aprirò le porte scarlatte di Taranto antica

io che sono l’indenne e conosco l’urlo del mare

io sono l’uomo Pietoso e sono anche la Porta

ti porterò oltre i pontili lungo la sabbia pulita

perchè tu dimentichi i Proci, io sono l’atavico Ulisse.

 

Penélope e os pretendentes

(John William Waterhouse: pintor inglês)

 

Canção do homem piedoso

 

Pegaram os meus livros e os fizeram em mil pedaços

pegaram as minhas mãos e jogaram-nas aos peixes do mar.

Pegaram o meu sexo e o amarraram com uma corda

pegaram os meus olhos e cegaram-me

pegaram o meu corpo e seviciaram-no com beijos impuros.

Mas veio o homem piedoso e beijou-me os cabelos

mas veio o homem piedoso e cobriu os meus andrajos

mas veio o homem piedoso e olhou com respeito o meu púbis

e o cobriu com um branco lençol do qual foi retirada a culpa.

E veio o homem piedoso e beijou-me na boca

e depois deitou-me na terra e deu-me a sua palavra.

Disse – eu sou Nicola, eu sou o Fugitivo

aquele que carrega o seu bem além do bem e do mal

eu sou o homem que foge, que te devolverá a palavra.

E o homem piedoso olhava distante os meus olhos

e habitou neles a luz e devolveu a eles o destino

eu te abrirei a porta escarlate da Taranto antiga

eu que sou o indene e conheço o rumor do mar

eu sou o homem Piedoso e sou também a Porta

levar-te-ei ao cais por sobre a areia polida

para que tu esqueças os Cortejadores, eu sou o atávico Ulisses.

 

Referência:

 

MERINI, Alda. Canzone dell’uomo pietoso / Canção do homem piedoso. Tradução de José Eduardo Degrazia. In: DEGRAZIA, José Eduardo (Organização e Tradução). Poeti italiani contemporanei: poesie scelte / Poetas italianos contemporâneos: poesias escolhidas. Porto Alegre, RS: Sagra - D. C. Luzzatto, 1995. Em italiano: p. 26; em português: p. 27.

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