Distintamente de
certos homens que vilipendiam-lhe a palavra entronizada em seus livros, ultrajam-lhe
o corpo, desatando-lhe infames beijos, o “homem piedoso”, benevolente e magnânimo,
age em sentido contrário, com algum sentido de dever e de reverência, de modo a
resgatar a dignidade da falante, restituindo-lhe a honradez.
Ao final do poema, a
voz lírica se alterna para a do próprio homem piedoso, um “Ulisses atávico” que
reaparece à sua Penélope, para, dessa forma, afastar os importunos pretendentes
– ou como se diz na tradução do derradeiro verso, os “Cortejadores”:
aterrorizada em seu castelo, a falante espera que o homem piedoso equivalha ao
sujeito que virá libertá-la das garras do dragão. (rs)
J.A.R. – H.C.
Alda Merini
(1931-2009)
Canzone dell’uomo
pietoso
Presero i miei libri
e li fecero in mille pezzetti
presero le mie mani e
le buttarono ai pesci del mare.
Presero i miei
inguini e li chiusero con una corda
presero i miei occhi
e mi cecarono
presero il mio corpo
e lo straziarono di baci impuri.
Ma venne l’uomo
pietoso e mi baciò sui capelli
ma venne l’uomo
pietoso e coperse i mille brandelli
ma venne l’uomo
pietoso e guardò con rispetto il mio pube
e lo coprì con un
bianco lenzuolo dal quale fu esente la colpa.
E venne l’uomo
pietoso e mi baciò sulla bocca
e poi mi stese per
terra e mi diede la sua parola.
Disse – io sono
Nicola, io sono l’Evaso
colui che porta il
suo bene al di là del bene e del male
io sono l’uomo che
scappa, che ti ridarà la parola.
E l’uomo pietoso
guardava lungo i miei occhi
e vi rimise la luce e
vi ridiede la sorte
io ti aprirò le porte
scarlatte di Taranto antica
io che sono l’indenne
e conosco l’urlo del mare
io sono l’uomo
Pietoso e sono anche la Porta
ti porterò oltre i
pontili lungo la sabbia pulita
perchè tu dimentichi
i Proci, io sono l’atavico Ulisse.
Penélope e os
pretendentes
(John William Waterhouse:
pintor inglês)
Canção do homem
piedoso
Pegaram os meus
livros e os fizeram em mil pedaços
pegaram as minhas
mãos e jogaram-nas aos peixes do mar.
Pegaram o meu sexo e
o amarraram com uma corda
pegaram os meus olhos
e cegaram-me
pegaram o meu corpo e
seviciaram-no com beijos impuros.
Mas veio o homem
piedoso e beijou-me os cabelos
mas veio o homem
piedoso e cobriu os meus andrajos
mas veio o homem
piedoso e olhou com respeito o meu púbis
e o cobriu com um
branco lençol do qual foi retirada a culpa.
E veio o homem
piedoso e beijou-me na boca
e depois deitou-me na
terra e deu-me a sua palavra.
Disse – eu sou
Nicola, eu sou o Fugitivo
aquele que carrega o
seu bem além do bem e do mal
eu sou o homem que
foge, que te devolverá a palavra.
E o homem piedoso olhava
distante os meus olhos
e habitou neles a luz
e devolveu a eles o destino
eu te abrirei a porta
escarlate da Taranto antiga
eu que sou o indene e
conheço o rumor do mar
eu sou o homem
Piedoso e sou também a Porta
levar-te-ei ao cais
por sobre a areia polida
para que tu esqueças
os Cortejadores, eu sou o atávico Ulisses.
Referência:
MERINI, Alda. Canzone
dell’uomo pietoso / Canção do homem piedoso. Tradução de José Eduardo Degrazia.
In: DEGRAZIA, José Eduardo (Organização e Tradução). Poeti italiani
contemporanei: poesie scelte / Poetas italianos contemporâneos:
poesias escolhidas. Porto Alegre, RS: Sagra - D. C. Luzzatto, 1995. Em
italiano: p. 26; em português: p. 27.
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