Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 28 de abril de 2023

José Ángel Valente - Poeta em tempo de miséria

O poeta espanhol aqui descreve como se comportava o poeta – não nomeado, presumindo-se, por conseguinte, uma dicção a designar o coletivo dos autores líricos – no auge da ditadura de Franco, amordaçado e sem poder dar livre vazão ao pensamento, tendo que silenciar para manter a posição, o direito à vida e ao sustento.

 

São as misérias que decorrem do exercício desnaturado da política, no caso, por quase quarenta anos: Franco, diga-se de passagem, ascendeu ao poder não pelo voto, senão por um golpe militar que acabou por instituir uma ditadura conservadora com distintivos fascistas, somente encerrada com a sua morte.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Ángel Valente

(1929-2000)

 

Poeta en tiempo de miseria

 

Hablaba de prisa.

Hablaba sin oír ni ver ni hablar.

Hablaba como el que huye,

emboscado de pronto entre falsos follajes

de simpatía e irrealidad.

 

Hablaba sin puntuación y sin silencios,

intercalando en cada pausa gestos de ensayada alegría

para evitar acaso la furtiva pregunta,

la solidaridad con su pasado,

su desnuda verdad.

 

Hablaba como queriendo borrar su vida ante

um testigo incómodo,

para lo cual se rodeaba de secundarios seres

que de sus desperdicios alimentaban

una grosera vanidad.

 

Compraba así el silencio a duro precio,

la posición estable a duro precio,

el derecho a la vida a duro precio,

a duro precio el pan.

 

Metal noble tal vez que el martillo batiera

para causa más pura.

Poeta en tiempo de miseria, en tiempo de mentira

y de infidelidad.

 

O poeta angustiado

(William Hogarth: pintor inglês)

 

Poeta em tempo de miséria

 

Falava depressa.

Falava sem ouvir nem ver nem falar.

Falava como quem foge,

repentinamente emboscado entre falsas folhagens

de simpatia e irrealidade.

 

Falava sem pontuação e sem silêncios,

intercalando em cada pausa gestos de ensaiada alegria

para talvez evitar a furtiva pergunta,

a solidariedade com seu passado,

sua desnuda verdade.

 

Falava como se quisesse apagar sua vida perante uma

testemunha incômoda,

para a qual se rodeava de secundários seres

que de seus desperdícios alimentavam

uma grosseira vaidade.

 

Comprava assim o silêncio a elevado preço,

a posição estável a elevado preço,

o direito à vida a elevado preço,

a elevado preço o pão.

 

Metal nobre talvez amolgado pelo martelo

para causa mais pura.

Poeta em tempo de miséria, em tempo de mentira

e de infidelidade.

 

Referência:

 

VALENTE, José Ángel. Poeta en tiempo de miseria. In: BERGUA, José (Ed.). Las mil mejores poesias de la lengua castellana: ocho siglos de poesía española e hispanoamericana. 31. ed. Madrid, ES: Ediciones Ibéricas, 1995. p. 752. (Colección “Tesoro Literario”; n. 26)

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