O poeta espanhol aqui
descreve como se comportava o poeta – não nomeado, presumindo-se, por
conseguinte, uma dicção a designar o coletivo dos autores líricos – no auge da
ditadura de Franco, amordaçado e sem poder dar livre vazão ao pensamento, tendo
que silenciar para manter a posição, o direito à vida e ao sustento.
São as misérias que
decorrem do exercício desnaturado da política, no caso, por quase quarenta
anos: Franco, diga-se de passagem, ascendeu ao poder não pelo voto, senão por
um golpe militar que acabou por instituir uma ditadura conservadora com
distintivos fascistas, somente encerrada com a sua morte.
J.A.R. – H.C.
José Ángel Valente
(1929-2000)
Poeta en tiempo de
miseria
Hablaba de prisa.
Hablaba sin oír ni
ver ni hablar.
Hablaba como el que
huye,
emboscado de pronto
entre falsos follajes
de simpatía e
irrealidad.
Hablaba sin
puntuación y sin silencios,
intercalando en cada
pausa gestos de ensayada alegría
para evitar acaso la
furtiva pregunta,
la solidaridad con su
pasado,
su desnuda verdad.
Hablaba como
queriendo borrar su vida ante
um testigo incómodo,
para lo cual se
rodeaba de secundarios seres
que de sus desperdicios
alimentaban
una grosera vanidad.
Compraba así el
silencio a duro precio,
la posición estable a
duro precio,
el derecho a la vida
a duro precio,
a duro precio el pan.
Metal noble tal vez
que el martillo batiera
para causa más pura.
Poeta en tiempo de
miseria, en tiempo de mentira
y de infidelidad.
O poeta angustiado
(William Hogarth:
pintor inglês)
Poeta em tempo de miséria
Falava depressa.
Falava sem ouvir nem
ver nem falar.
Falava como quem
foge,
repentinamente emboscado
entre falsas folhagens
de simpatia e
irrealidade.
Falava sem pontuação
e sem silêncios,
intercalando em cada
pausa gestos de ensaiada alegria
para talvez evitar a
furtiva pergunta,
a solidariedade com
seu passado,
sua desnuda verdade.
Falava como se
quisesse apagar sua vida perante uma
testemunha incômoda,
para a qual se
rodeava de secundários seres
que de seus
desperdícios alimentavam
uma grosseira
vaidade.
Comprava assim o
silêncio a elevado preço,
a posição estável a elevado preço,
o direito à vida a elevado preço,
a elevado preço o
pão.
Metal nobre talvez amolgado pelo martelo
para causa mais
pura.
Poeta em tempo de
miséria, em tempo de mentira
e de infidelidade.
Referência:
VALENTE, José Ángel.
Poeta en tiempo de miseria. In: BERGUA, José (Ed.). Las mil mejores poesias
de la lengua castellana: ocho siglos de poesía española e
hispanoamericana. 31. ed. Madrid, ES: Ediciones Ibéricas, 1995. p. 752. (Colección
“Tesoro Literario”; n. 26)
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