Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Valery Larbaud - O dom de si mesmo

O sujeito lírico sente-se “vazio”, pleno do “nada”, a ambos qualificando, respectivamente, como “impreenchível” e “inconquistável” – e isso é tudo o que, como dádiva, oferece a cada um com quem entra em contato: um ser descontínuo, que parece tanger os quatro cantos do universo, mas que de cuja unidade não se depreendem os fios necessários.

 

Um ser dentro do ser, uma voz de consciência exacerbadamente loquaz e que “parece dizer eternamente: ‘Aqui estou, indiferente a tudo’”, acabando por denegar, contudo, o “vazio” e o “nada” que lhe servem como tese: nas palavras do poeta – paragem preferencial da galáxia poética –, eclode um texto reflexivo, que se desdobra em sentimentos e imagens a gravitarem pela problemática do ego.

 

J.A.R. – H.C.

 

Valery Larbaud

(1881-1957)

 

Le don de soi-même

 

Je m’offre à chacun comme sa récompense;

Je vous la donne même avant que vous l’ayez méritée.

 

Il y a quelque chose en moi,

Au fond de moi, au centre de moi,

Quelque chose d’infiniment aride

Comme le sommet des plus hautes montagnes;

Quelque chose de comparable au point mort de la rétine,

Et sans écho,

Et qui pourtant voit et entend;

Un être ayant une vie propre, et qui, cependant,

Vit toute ma vie, et écoute, impassible,

Tous les bavardages de ma conscience.

 

Un être fait de néant, si c’est possible,

Insensible à mes souffrances physiques,

Qui ne pleure pas quand je pleure,

Qui ne rit pas quand je ris,

Qui ne rougit pas quand je commets une action honteuse,

Et qui ne gémit pas quand mon coeur est blessé;

Qui se tient immobile et ne donne pas de conseils,

Mais semble dire éternellement:

“Je suis là, indifférent à tout.”

 

C’est peut-être du vide comme est le vide,

Mais si grand que le Bien et le Mal ensemble

Ne le remplissent pas.

La haine y meurt d’asphyxie,

Et le plus grand amour n’y pénètre jamais.

 

Prenez donc tout de moi: le sens de ces poèmes,

Non ce qu’on lit, mais ce qui paraît au travers malgré moi:

Prenez, prenez, vous n’avez rien.

Et où que j’aille, dans l’univers entier,

Je rencontre toujours,

Hors de moi comme en moi,

L’irremplissable Vide,

L’inconquérable Rien.

 

Dans: “A. O. Barnabooth, ses oeuvres complètes” (1913)

 

O dom de si mesmo

(Maria Hunt: artista norte-americana)

 

O dom de si mesmo

 

Ofereço-me a cada um como sua recompensa;

Dou-a a todos, mesmo antes que hajam merecido.

 

Há qualquer coisa em mim,

Muito dentro de mim, no centro de mim,

Qualquer coisa infinitamente árida,

Como o cimo das montanhas mais altas;

Qualquer coisa comparável ao ponto morto da retina,

E sem eco,

Mas que, não obstante, enxerga e ouve;

Um ser que tem vida própria, e que, no entanto,

Vive toda a minha vida, e escuta, impassível,

Toda a garrulice de minha consciência.

 

Um ser feito de nada, se isso for possível,

Insensível aos meus sofrimentos físicos,

Que não chora quando eu choro,

Que não ri quando eu rio,

Que não cora quando cometo um ato vergonhoso

E que não geme quando machucado o meu coração;

Que se queda imóvel e não dá conselhos,

Mas que parece dizer eternamente:

“Aqui estou, indiferente a tudo”.

 

Pode ser vazio tal como é o vazio,

Mas tão vasto que o Bem e o Mal juntos

Não o preenchem.

Ali, o ódio morre de asfixia

E o mais intenso amor jamais o penetra.

 

Assim, toma tudo de mim: o significado destes poemas,

Não o que se lê, senão o que por eles se mostra, apesar de mim:

Toma, toma, tu nada tens.

E aonde quer que eu vá, no universo inteiro,

Sempre encontro,

Tanto fora quanto dentro de mim,

O Vazio impreenchível,

O Nada inconquistável.

 

Em: “A. O. Barnabooth, suas obras completas” (1913)

 

Referência:

 

LARBAUD, Valery. Le don de soi-même. In: DÉCAUDIN, Michel (Éd.). Anthologie de la poésie française du XXe siècle. Préface de Claude Roy. Édition revue et augmentée. Paris, FR: Gallimard, 2000. p. 206-207.

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