O sujeito lírico
sente-se “vazio”, pleno do “nada”, a ambos qualificando, respectivamente, como “impreenchível”
e “inconquistável” – e isso é tudo o que, como dádiva, oferece a cada um com
quem entra em contato: um ser descontínuo, que parece tanger os quatro cantos
do universo, mas que de cuja unidade não se depreendem os fios necessários.
Um ser dentro do ser,
uma voz de consciência exacerbadamente loquaz e que “parece dizer eternamente: ‘Aqui
estou, indiferente a tudo’”, acabando por denegar, contudo, o “vazio” e o “nada” que
lhe servem como tese: nas palavras do poeta – paragem preferencial da galáxia
poética –, eclode um texto reflexivo, que se desdobra em sentimentos e imagens a
gravitarem pela problemática do ego.
J.A.R. – H.C.
Valery Larbaud
(1881-1957)
Le don de soi-même
Je m’offre à chacun
comme sa récompense;
Je vous la donne même
avant que vous l’ayez méritée.
Il y a quelque chose
en moi,
Au fond de moi, au
centre de moi,
Quelque chose
d’infiniment aride
Comme le sommet des
plus hautes montagnes;
Quelque chose de
comparable au point mort de la rétine,
Et sans écho,
Et qui pourtant voit
et entend;
Un être ayant une vie
propre, et qui, cependant,
Vit toute ma vie, et
écoute, impassible,
Tous les bavardages
de ma conscience.
Un être fait de
néant, si c’est possible,
Insensible à mes souffrances
physiques,
Qui ne pleure pas
quand je pleure,
Qui ne rit pas quand
je ris,
Qui ne rougit pas
quand je commets une action honteuse,
Et qui ne gémit pas
quand mon coeur est blessé;
Qui se tient immobile
et ne donne pas de conseils,
Mais semble dire
éternellement:
“Je suis là, indifférent
à tout.”
C’est peut-être du
vide comme est le vide,
Mais si grand que le
Bien et le Mal ensemble
Ne le remplissent
pas.
La haine y meurt
d’asphyxie,
Et le plus grand
amour n’y pénètre jamais.
Prenez donc tout de
moi: le sens de ces poèmes,
Non ce qu’on lit,
mais ce qui paraît au travers malgré moi:
Prenez, prenez, vous
n’avez rien.
Et où que j’aille,
dans l’univers entier,
Je rencontre
toujours,
Hors de moi comme en
moi,
L’irremplissable
Vide,
L’inconquérable Rien.
Dans: “A. O.
Barnabooth, ses oeuvres complètes” (1913)
O dom de si mesmo
(Maria Hunt: artista
norte-americana)
O dom de si mesmo
Ofereço-me a cada um
como sua recompensa;
Dou-a a todos, mesmo
antes que hajam merecido.
Há qualquer coisa em
mim,
Muito dentro de mim,
no centro de mim,
Qualquer coisa
infinitamente árida,
Como o cimo das
montanhas mais altas;
Qualquer coisa
comparável ao ponto morto da retina,
E sem eco,
Mas que, não obstante,
enxerga e ouve;
Um ser que tem vida
própria, e que, no entanto,
Vive toda a minha
vida, e escuta, impassível,
Toda a garrulice de
minha consciência.
Um ser feito de nada,
se isso for possível,
Insensível aos meus
sofrimentos físicos,
Que não chora quando
eu choro,
Que não ri quando eu
rio,
Que não cora quando
cometo um ato vergonhoso
E que não geme quando
machucado o meu coração;
Que se queda imóvel e
não dá conselhos,
Mas que parece dizer
eternamente:
“Aqui estou,
indiferente a tudo”.
Pode ser vazio tal como
é o vazio,
Mas tão vasto que o
Bem e o Mal juntos
Não o preenchem.
Ali, o ódio morre de asfixia
E o mais intenso amor
jamais o penetra.
Assim, toma tudo de
mim: o significado destes poemas,
Não o que se lê,
senão o que por eles se mostra, apesar de mim:
Toma, toma, tu nada
tens.
E aonde quer que eu
vá, no universo inteiro,
Sempre encontro,
Tanto fora quanto
dentro de mim,
O Vazio impreenchível,
O Nada inconquistável.
Em: “A. O.
Barnabooth, suas obras completas” (1913)
Referência:
LARBAUD, Valery. Le
don de soi-même. In: DÉCAUDIN, Michel (Éd.). Anthologie de la poésie
française du XXe siècle. Préface de Claude Roy. Édition revue et augmentée.
Paris, FR: Gallimard, 2000. p. 206-207.
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