Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 14 de abril de 2023

José Maria Pereira - O Crucificado

No corpo crucificado e inerte de Cristo, a pervagar pelo “oceano noturno” da morte, interna-se uma foca, símbolo do que lhe remanesce de espiritual, capaz de renascer em “dez caminhos”: de seguida, peregrinam pelo mundo os “pescadores de homens”, divulgadores de sua palavra, lume imortal de redenção.

 

A voz lírica se pergunta onde estará o supliciado, que lhe desfecha mil flechas no “peito de pedra”: desertos, dunas e oásis, e, sobre os olhos de quem o contempla, ardendo como fogo, o rosto prismático daquele que se transfigurou internamente, atingindo com serenidade a plenitude da luz mística a unir o céu à terra.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Maria Pereira

(n. 1948)

 

O Crucificado

 

teu corpo

se abre

como ave

 

submerso

no oceano noturno

como alga

 

no teu corpo

há um túnel

onde entra

de mãos postas

uma foca

 

estende os braços

e dos dedos focos

renascem

dez caminhos

 

teu corpo

recai manso

no deserto

como nave

 

teus olhos

luminescentes

caminham

no oceano

como peixes

 

como prisma

tu me invades

e desfechas

mil flechas

no meu peito

de pedra

 

olho tua imagem

de dunas

e oásis

 

teu rosto entra

nos meus olhos

como fogo

 

eu pergunto

diante

do teu prisma

e teu lume imortal

– onde estás?

 

Cristo de São João da Cruz

(Salvador Dalí: pintor espanhol)

 

Referência:

 

PEREIRA, José Maria. O crucificado. In: CURVELLO, Aricy et alii. Voo vetor: antologia. São Paulo, SP: Editora do Escritor, 1974. p. 72-73. (‘Coleção do Poeta’; v. 8)

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