No corpo crucificado
e inerte de Cristo, a pervagar pelo “oceano noturno” da morte, interna-se uma
foca, símbolo do que lhe remanesce de espiritual, capaz de renascer em “dez
caminhos”: de seguida, peregrinam pelo mundo os “pescadores de homens”,
divulgadores de sua palavra, lume imortal de redenção.
A voz lírica se
pergunta onde estará o supliciado, que lhe desfecha mil flechas no “peito de
pedra”: desertos, dunas e oásis, e, sobre os olhos de quem o contempla, ardendo
como fogo, o rosto prismático daquele que se transfigurou internamente,
atingindo com serenidade a plenitude da luz mística a unir o céu à terra.
J.A.R. – H.C.
José Maria Pereira
(n. 1948)
O Crucificado
teu corpo
se abre
como ave
submerso
no oceano noturno
como alga
no teu corpo
há um túnel
onde entra
de mãos postas
uma foca
estende os braços
e dos dedos focos
renascem
dez caminhos
teu corpo
recai manso
no deserto
como nave
teus olhos
luminescentes
caminham
no oceano
como peixes
como prisma
tu me invades
e desfechas
mil flechas
no meu peito
de pedra
olho tua imagem
de dunas
e oásis
teu rosto entra
nos meus olhos
como fogo
eu pergunto
diante
do teu prisma
e teu lume imortal
– onde estás?
Cristo de São João da
Cruz
(Salvador Dalí:
pintor espanhol)
Referência:
PEREIRA, José Maria.
O crucificado. In: CURVELLO, Aricy et alii. Voo vetor: antologia. São
Paulo, SP: Editora do Escritor, 1974. p. 72-73. (‘Coleção do Poeta’; v. 8)
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