Diante do conteúdo
alegorizado dos versos deste poema, presumo que a figura do mencionado cervo
ensanguentado, ao encalço do falante onde quer que se encontre, diga respeito ao
Cristo reaparecido, sereno e ponderado, pondo em relevo os distintivos contrastantes
de volúpia e de santidade, de sexualidade e de castidade.
A metáfora empregada –
a de um cervo – bem se habilita a caracterizar tanto a virilidade quanto a
morte, tanto o sacrifício, os desafios da vida, quanto a libertação – em suma,
as faces contrárias da matéria e do espírito –, daí o nexo com a imagem de
Cristo: o cervo, com efeito, acaba por configurar essa passagem por um ermo de
um plano a outro, atravessando a morte e suplantando-a ao mesmo tempo.
J.A.R. – H.C.
Pierre Jean Jouve
(1887-1976)
Sanglant comme la
nuit, admirable en effroi, et sensible
Sans bruit, tu meurs
à notre approche.
Apparais sur le
douloureux et le douteux
Si rapide impuissant
de sperme et de sueur
Qu’ait été le chasseur;
si coupable son
Ombre et si faible
l’amour
Qu’il avait! Apparais
dans un corps
Pelage vrai et
Chaud, toi qui passes
la mort.
Oui toi dont les blessures
Marquent les trous de
notre vrai amour
A force de nos coups,
apparais et reviens
Malgré l’amour,
malgré que
Crache la blessure.
Dans: “Sueur de Sang”
(1933-1935)
Cervo morto
(Gustave Coubert:
pintor francês)
Lamentos ao cervo
Ensanguentado como a
noite, admirável no pavor, e dorido
Sem gemidos, morres
quando nos aproximamos.
Apareces sobre o
doloroso e o duvidoso,
Por mais apressado,
impotente de esperma e de suor,
que haja sido o
caçador; por mais que culpável a sua
Sombra e débil o amor
Que partilhava!
Apareces em um corpo de
Pele genuína e
Quente, tu que
atravessas a morte.
Sim, tu, cujas chagas
Assinalam as fendas
de nosso genuíno amor,
À força de nossos
golpes, apareces e regressas,
Apesar do amor, não
obstante o quanto
Golfem as tuas chagas.
Em: “Suor de Sangue” (1933-1935)
Referência:
JOUVE, Pierre Jean. Lamentations
au cerf. In: DÉCAUDIN, Michel (Éd.). Anthologie de la poésie française du
XXe siècle. Préface de Claude Roy. Édition revue et augmentée. Paris, FR:
Gallimard, 2000. p. 197-198.
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