O sujeito lírico
encontra um inseto morto entre as páginas de um livro (de poemas, pode-se presumir),
de autoria do grande místico e poeta San Juan de la Cruz (1542-1591), um dos
grandes de língua espanhola: a morte, assim impregnada pelos despojos do inseto,
entra em contato direto com versos e pensamentos que veiculam preceitos de mortificações
e de penitências, mesclados a meditações espirituais e exercícios de humildade,
tudo em conformidade ao livre alvedrio que, em tese, diz-nos respeito, para
tornar nossas experiências na terra plenas
de sentido e em comunhão com o divino.
“A vida entrelaçada à
morte”, com efeito, é divisa respeitável no histórico e na obra do santo
espanhol: o leitor do livro que, fechando suas páginas, deu termo a um efêmero
ser vivo, também deu ensejo ao silêncio do ocaso, o qual, em sua naturalidade, equivale
ao de um ser humano, embora sem a plena consciência da morte.
J.A.R. – H.C.
Antônio Moura
(n. 1963)
Num Livro de San Juan
de la Cruz
Entre as páginas de
um livro de
San Juan de La Cruz
deparo
com a vida
entrelaçada à morte ao
acaso, entre a vida
que ali floresce
em palavras, voz
humana que
no deserto em branco
se propaga,
o corpo morto de um
inseto entre
as páginas fala do
que pode estar
sendo e – num
relâmpago – ter sido,
fogo abafado pela mão
desconhecida
que, subitamente, fecha
o livro
Borboleta mãe
(Vladimir Kush:
pintor russo)
Referência:
MOURA, Antônio. Num
livro de San Juan de la Cruz. In: ROSA, Jaime B. (Ed.). Antología de poesía
brasileira. Organización de Floriano Martins y José Geraldo Neres. Edición
bilingüe: Portugués x Español. 1. ed. Valencia, ES: Huerga & Fierro Editores,
feb. 2007. p. 150.
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