Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Eduardo Casar - Ética para Nicômaco

Não exatamente com conteúdo assemelhado à conhecida obra de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) – a compendiar efetivos preceitos éticos dirigidos a seu filho Nicômaco –, o que Casar, autor mexicano, está aqui a enunciar é a necessidade de chegar a bons termos com o seu próprio “eu”, pois, contingentemente, há um estado de consciência que parece conflitar com um outro lado de seu psiquismo, com vontades por acaso retraídas, espontaneamente ou não.

 

Afinal, há situações, não raras, em que somos assaltados por vozes que nos subjugam o espírito, como se fôssemos detentores de múltiplos egos, levando-nos a um colóquio interno que ou bem alcança um consenso ou bem nos leva ao desassossego: quem não haveria de evocar os heterônimos de Fernando Pessoa (1888-1935), ou, mesmo, os dois lados do falante no poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar (1930-2016), aqui postado?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Eduardo Casar

(n. 1952)

 

Ética a Nicómaco

 

Cómo me gustaría ser como yo.

 

Tener el tiempo que yo tengo

para salir a caminar cuando yo quiera,

para leer lo que le venga en gana

a mi gana más íntima y soltera;

interrumpir sin que nadie se asfixie

cualquier obligación etiquetada;

para estar en pleno uso de la soberanía

de ir a pie por las calles,

descubriendo raíces que aparecen

quebrantando las reglas del asfalto.

 

Cómo me gustaría, deveras,

dedicarme una noche a platicar conmigo,

cada quien con su trago,

discutir, discrepar, desentonarse,

hasta que el pobre espejo

se quedara dormido

con el rostro apoyado sobre el azogue opaco.

 

Cómo me gustaría que a los dos

nos gustara la misma

y que uno tuviera

que ceder y cediera

por desatarle al otro las dos manos.

 

Cómo me gustaría

que yo y que yo

fuéramos tan amigos.

 

O eu duplo

(Otero Carbonell: pintor espanhol)

 

Ética para Nicômaco

 

Como eu gostaria de ser como eu.

 

Ter o tempo que tenho

para sair a caminhar quando quiser,

para ler o que der vontade

à minha vontade mais íntima e solteira;

interromper sem que ninguém se aflija

qualquer compromisso cerimonioso;

para estar em pleno uso da soberania

de seguir a pé pelas ruas,

descobrindo raízes que aparecem

rompendo com as regras do asfalto.

 

Como gostaria, deveras,

de dedicar-me uma noite a papear comigo,

com um com sua bebida,

discutir, discrepar, descomedir-se,

até que o pobre espelho

adormecesse

com o rosto apoiado sobre o azougue opaco.

 

Como gostaria que aos dois

nos gostasse igual

e que um tivesse

que ceder e cedesse

por desatar-lhe ao outro as duas mãos.

 

Como gostaria

que eu e que eu

fôssemos tão amigos.

 

Referência:

 

Em Espanhol

 

CASAR, Eduardo. Ética a Nicómaco. In: __________. Ontología personal. Primera edición en Práctica Mortal. México, D.F.: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes / Dirección General de Publicaciones, 2008. p. 67-68. Disponível neste endereço. Acesso em: 20 abr. 2022.

 

Em Português

 

CASAR, Eduardo. Ética para Nicômaco. Tradução de Floriano Martins. In: LANGAGNE, Eduardo (Organização e Estudo Introdutório). Dentro do poema: poetas mexicanos nascidos entre 1950 e 1959. Tradução de Floriano Martins. Coedição com a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará - Secult. Fortaleza, CE: Edições UFC, 2009. p. 142. (Coleção Nossa Cultura, n. 1; Série Bolivariana, n. 3)

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