Não exatamente com
conteúdo assemelhado à conhecida obra de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) – a
compendiar efetivos preceitos éticos dirigidos a seu filho Nicômaco –, o que
Casar, autor mexicano, está aqui a enunciar é a necessidade de chegar a bons termos
com o seu próprio “eu”, pois, contingentemente, há um estado de consciência que
parece conflitar com um outro lado de seu psiquismo, com vontades por acaso
retraídas, espontaneamente ou não.
Afinal, há situações,
não raras, em que somos assaltados por vozes que nos subjugam o espírito, como
se fôssemos detentores de múltiplos egos, levando-nos a um colóquio interno que
ou bem alcança um consenso ou bem nos leva ao desassossego: quem não haveria de
evocar os heterônimos de Fernando Pessoa (1888-1935), ou, mesmo, os dois lados
do falante no poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar (1930-2016), aqui
postado?!
J.A.R. – H.C.
Eduardo Casar
(n. 1952)
Ética a Nicómaco
Cómo me gustaría ser
como yo.
Tener el tiempo que
yo tengo
para salir a caminar
cuando yo quiera,
para leer lo que le
venga en gana
a mi gana más íntima
y soltera;
interrumpir sin que
nadie se asfixie
cualquier obligación
etiquetada;
para estar en pleno
uso de la soberanía
de ir a pie por las
calles,
descubriendo raíces
que aparecen
quebrantando las
reglas del asfalto.
Cómo me gustaría,
deveras,
dedicarme una noche a
platicar conmigo,
cada quien con su
trago,
discutir, discrepar,
desentonarse,
hasta que el pobre
espejo
se quedara dormido
con el rostro apoyado
sobre el azogue opaco.
Cómo me gustaría que
a los dos
nos gustara la misma
y que uno tuviera
que ceder y cediera
por desatarle al otro
las dos manos.
Cómo me gustaría
que yo y que yo
fuéramos tan amigos.
O eu duplo
(Otero Carbonell:
pintor espanhol)
Ética para Nicômaco
Como eu gostaria de
ser como eu.
Ter o tempo que tenho
para sair a caminhar
quando quiser,
para ler o que der
vontade
à minha vontade mais
íntima e solteira;
interromper sem que
ninguém se aflija
qualquer compromisso
cerimonioso;
para estar em pleno
uso da soberania
de seguir a pé pelas
ruas,
descobrindo raízes
que aparecem
rompendo com as
regras do asfalto.
Como gostaria,
deveras,
de dedicar-me uma
noite a papear comigo,
com um com sua
bebida,
discutir, discrepar,
descomedir-se,
até que o pobre
espelho
adormecesse
com o rosto apoiado
sobre o azougue opaco.
Como gostaria que aos
dois
nos gostasse igual
e que um tivesse
que ceder e cedesse
por desatar-lhe ao
outro as duas mãos.
Como gostaria
que eu e que eu
fôssemos tão amigos.
Referência:
Em Espanhol
CASAR, Eduardo. Ética
a Nicómaco. In: __________. Ontología personal. Primera edición en
Práctica Mortal. México, D.F.: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes / Dirección
General de Publicaciones, 2008. p. 67-68. Disponível neste endereço. Acesso em: 20 abr.
2022.
Em Português
CASAR, Eduardo. Ética
para Nicômaco. Tradução de Floriano Martins. In: LANGAGNE, Eduardo (Organização
e Estudo Introdutório). Dentro do poema: poetas mexicanos nascidos entre
1950 e 1959. Tradução de Floriano Martins. Coedição com a Secretaria de Cultura
do Estado do Ceará - Secult. Fortaleza, CE: Edições UFC, 2009. p. 142. (Coleção
Nossa Cultura, n. 1; Série Bolivariana, n. 3)
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