Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Cairo Trindade - Pileque de palavras

O poeta entra no poema, desnudo e de cabeça, e experimenta um leque de sensações, algumas até antitéticas – susto, transe, surto, quase sofrimento e um tanto de orgasmo –, em razão do “pileque de palavras” a que então se submete, obviamente porque a seleção de uma ou de outra, em meio a um vocabulário completo, há que ser criteriosa para poder apreender a poesia que, insuspeita, desborda neste mundo de aparências.

 

Ao sair do poema, o falante sente como se houvesse renascido – “tonto e muito louco” –, quase sempre a chorar e a sentir gozo. Se morre um pouco ao fim de cada poema, é também porque o feito incorpora a “mímesis” do próprio ato de procriação na natureza: um rebento no mundo em busca de acolhida favorável entre os pares.  

 

J.A.R. – H.C.

 

Cairo Trindade

(1946-2019)

 

Pileque de palavras

 

entro no poema sem pedir licença

sem medir limites – livre e sem pudor

entro de cabeça entro inteiro dentro

 

desnudo e em espasmo mergulho me perco

me afogo e me engasgo – susto transe surto

quase sofrimento quase quase orgasmo

 

saio do poema como quem renasce

tonto e muito louco – quase choro sempre

quase sempre gozo e sempre morro um pouco

 

Tontura

(Gracia Lam: ilustradora sino-canadense)

 

Referência:

 

TRINDADE, Cairo. Pileque de palavras. In: MOTTA, Thereza Christina Rocque da; FRANCO, João José de Melo (Organização e Apresentação). Ponte de versos: 8 anos. Rio de Janeiro, RJ: Ibis Libris, 2008. p. 57.

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