O poeta entra no
poema, desnudo e de cabeça, e experimenta um leque de sensações, algumas até
antitéticas – susto, transe, surto, quase sofrimento e um tanto de orgasmo –, em
razão do “pileque de palavras” a que então se submete, obviamente porque a seleção
de uma ou de outra, em meio a um vocabulário completo, há que ser criteriosa para
poder apreender a poesia que, insuspeita, desborda neste mundo de aparências.
Ao sair do poema, o
falante sente como se houvesse renascido – “tonto e muito louco” –, quase
sempre a chorar e a sentir gozo. Se morre um pouco ao fim de cada poema, é
também porque o feito incorpora a “mímesis” do próprio ato de procriação na natureza:
um rebento no mundo em busca de acolhida favorável entre os pares.
J.A.R. – H.C.
Cairo Trindade
(1946-2019)
Pileque de palavras
entro no poema sem
pedir licença
sem medir limites –
livre e sem pudor
entro de cabeça entro
inteiro dentro
desnudo e em espasmo
mergulho me perco
me afogo e me engasgo
– susto transe surto
quase sofrimento
quase quase orgasmo
saio do poema como
quem renasce
tonto e muito louco –
quase choro sempre
quase sempre gozo e
sempre morro um pouco
(Gracia Lam: ilustradora
sino-canadense)
Referência:
TRINDADE, Cairo. Pileque
de palavras. In: MOTTA, Thereza Christina Rocque da; FRANCO, João José de Melo
(Organização e Apresentação). Ponte de versos: 8 anos. Rio de Janeiro,
RJ: Ibis Libris, 2008. p. 57.
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