Com um esquema de
rimas interessante, centrado em apenas duas modulações sonoras, além de todo escandido
em versos heptassílabos, este poema de Cecília revela a dinâmica invulgar do
propósito de ação em um sentido e os efeitos correlatos dirigidos a bússolas
discordes, levando a falante a tornar-se “saudosa” do que não faz e, do que
faz, “arrependida”.
Na sequência de
versos há um nítido empréstimo de termos caros à geometria e, por extensão, à
matemática – espaço, desenho, número, medida, compasso, distância, traço –, mas
a repercussão de tais vocábulos na mensagem entregue pelo poema não se anuncia
como se fora um silogismo de fecho peremptório, isso porque, por trás das
palavras, há a prevalência do humano, numa voz que se diz à procura do espaço
ainda disponível para o “desenho” de sua vida, mesmo que “exausta e descrida”.
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Canção Excêntrica
Ando à procura de
espaço
para o desenho da
vida.
Em números me
embaraço
e perco sempre a
medida.
Se penso encontrar
saída,
em vez de abrir um
compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.
Se volto sobre meu
passo,
é já distância
perdida.
Meu coração, coisa de
aço,
começa a achar um
cansaço
esta procura de
espaço
para o desenho da
vida.
Já por exausta e
descrida
não me animo a um
breve traço:
– saudosa do que não
faço,
– do que faço,
arrependida.
Em: “Vaga Música” (1942)
Contra o muro
(Ramsés Younan:
artista egípcio)
Referência:
MEIRELES, Cecília.
Canção excêntrica. In: __________. Antologia poética. 3. ed. 3. impr. Rio
de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2001. p. 36.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário