Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 23 de abril de 2023

Cecília Meireles - Canção Excêntrica

Com um esquema de rimas interessante, centrado em apenas duas modulações sonoras, além de todo escandido em versos heptassílabos, este poema de Cecília revela a dinâmica invulgar do propósito de ação em um sentido e os efeitos correlatos dirigidos a bússolas discordes, levando a falante a tornar-se “saudosa” do que não faz e, do que faz, “arrependida”.

 

Na sequência de versos há um nítido empréstimo de termos caros à geometria e, por extensão, à matemática – espaço, desenho, número, medida, compasso, distância, traço –, mas a repercussão de tais vocábulos na mensagem entregue pelo poema não se anuncia como se fora um silogismo de fecho peremptório, isso porque, por trás das palavras, há a prevalência do humano, numa voz que se diz à procura do espaço ainda disponível para o “desenho” de sua vida, mesmo que “exausta e descrida”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Cecília Meireles

(1901-1964)

 

Canção Excêntrica

 

Ando à procura de espaço

para o desenho da vida.

Em números me embaraço

e perco sempre a medida.

Se penso encontrar saída,

em vez de abrir um compasso,

protejo-me num abraço

e gero uma despedida.

 

Se volto sobre meu passo,

é já distância perdida.

 

Meu coração, coisa de aço,

começa a achar um cansaço

esta procura de espaço

para o desenho da vida.

Já por exausta e descrida

não me animo a um breve traço:

– saudosa do que não faço,

– do que faço, arrependida.

 

Em: “Vaga Música” (1942)

 

Contra o muro

(Ramsés Younan: artista egípcio)

 

Referência:

 

MEIRELES, Cecília. Canção excêntrica. In: __________. Antologia poética. 3. ed. 3. impr. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2001. p. 36.

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