Com versos carregados
de forte erotismo, o epigrafado poema de Buñuel costuma ser relacionado a certa
passagem do curta-metragem “Um Cão Andaluz” (1929) – película com tons
surrealistas do grande diretor espanhol em parceria com Salvador Dalí –,
durante a qual um ciclista apalpa os seios e as nádegas de uma jovem, numa
relação carnal incompleta e insatisfatória.
Fato é que, dos
versos – ainda que se assumam metafóricos –, dificilmente podem ser deduzidas
interpretações válidas, tendentes a um consenso ou a um denominador comum, dado
o propósito deliberado de se produzir estranheza, de se liberar a força do
irracional (ou do não racional), de se opor resistência à forma tradicional de elaboração
de poemas, mediante uma escrita automática, sem peias ou normas previamente
estabelecidas.
J.A.R. – H.C.
Luis Buñuel
(1900-1983)
Al meternos en el
lecho
Los restos de
estrella que quedaron entre tus cabellos
crujían como cáscaras
de cacahuete
la estrella cuya luz
descubriste
hace ya un millón de
años
en el instante mismo
en que nacía
un diminuto niño
chino.
“Los chinos son los
unicos que no temen
Los fantasmas
Que todas las noches
a las doce nos salen de la piel.”
Es lástima que la
estrella
no supiera fecundar
tus senos
y que el pájaro de la
lámpara de aceite
la picotease como a
una cáscara de cacahuete
tus miradas y las
mías dejaron en tu vientre
un signo futuro y
luminoso de multiplicación.
Casal na cama
(Alberto Sebastiani: pintor
italiano)
Quando fomos para a
cama (*)
Os resíduos de
estrela que ficaram entre os teus cabelos
crocitavam como
cascas de amendoins
a estrela cuja luz tu
descobriste
há um milhão de anos
já
no mesmo instante em
que era dado à luz
um diminuto menino
chinês.
“Os chinas são os
únicos que não temem
os fantasmas
que nos saem da pele
todas as noites.”
Lástima é que a
estrela
não tivesse sabido
fecundar teu seio
e que o pássaro da
lamparina de azeite
a bicasse como casca
de amendoim
o teu e o meu olhar
deixaram-te no ventre
um signo futuro de
luminosa multiplicação.
Nota ao poema por J.
F. Aranda:
(*). Embora
interferido pelo tema, tão usual nos surrealistas espanhóis, da frustração
expressa pela imagem de pássaros a debicar os corpos, é este um dos poemas mais
luminosos de Buñuel, tendo certo paralelismo com a obra contemporânea de Juan
Larrea. Do livro Un Chien Andalou, 1927. (BUÑUEL, 1977, p. 113)
Referências:
Em Espanhol
BUÑUEL, Luis. Al
meternos en el lecho. In: __________. Luis
Buñuel: obra literaria. Introducción y notas de Agustín Sánchez Vidal.
Zaragoza, ES: Ediciones de Heraldo de Aragón, 1982. p. 136.
Em Português
BUÑUEL, Luis. Quando
fomos para a cama. Tradução de Mário Cesariny. In: __________. Poemas.
Antologia, introdução e notas de J. F. Aranda. Tradução dos poemas e prefácio
de Mário Cesariny. 2. ed. Lisboa, PT: Arcádia, 1977. p. 77. (Colecção
‘Licorne’; Edição nº 703)
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