Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 15 de abril de 2023

Luis Buñuel - Quando fomos para a cama

Com versos carregados de forte erotismo, o epigrafado poema de Buñuel costuma ser relacionado a certa passagem do curta-metragem “Um Cão Andaluz” (1929) – película com tons surrealistas do grande diretor espanhol em parceria com Salvador Dalí –, durante a qual um ciclista apalpa os seios e as nádegas de uma jovem, numa relação carnal incompleta e insatisfatória.

 

Fato é que, dos versos – ainda que se assumam metafóricos –, dificilmente podem ser deduzidas interpretações válidas, tendentes a um consenso ou a um denominador comum, dado o propósito deliberado de se produzir estranheza, de se liberar a força do irracional (ou do não racional), de se opor resistência à forma tradicional de elaboração de poemas, mediante uma escrita automática, sem peias ou normas previamente estabelecidas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Luis Buñuel

(1900-1983)

 

Al meternos en el lecho

 

Los restos de estrella que quedaron entre tus cabellos

crujían como cáscaras de cacahuete

la estrella cuya luz descubriste

hace ya un millón de años

en el instante mismo en que nacía

un diminuto niño chino.

 

“Los chinos son los unicos que no temen

Los fantasmas

Que todas las noches a las doce nos salen de la piel.”

 

Es lástima que la estrella

no supiera fecundar tus senos

y que el pájaro de la lámpara de aceite

la picotease como a una cáscara de cacahuete

tus miradas y las mías dejaron en tu vientre

un signo futuro y luminoso de multiplicación.

 

Casal na cama

(Alberto Sebastiani: pintor italiano)

 

Quando fomos para a cama (*)

 

Os resíduos de estrela que ficaram entre os teus cabelos

crocitavam como cascas de amendoins

a estrela cuja luz tu descobriste

há um milhão de anos já

no mesmo instante em que era dado à luz

um diminuto menino chinês.

 

“Os chinas são os únicos que não temem

os fantasmas

que nos saem da pele todas as noites.”

 

Lástima é que a estrela

não tivesse sabido fecundar teu seio

e que o pássaro da lamparina de azeite

a bicasse como casca de amendoim

o teu e o meu olhar

deixaram-te no ventre

um signo futuro de luminosa multiplicação.

 

Nota ao poema por J. F. Aranda:

 

(*). Embora interferido pelo tema, tão usual nos surrealistas espanhóis, da frustração expressa pela imagem de pássaros a debicar os corpos, é este um dos poemas mais luminosos de Buñuel, tendo certo paralelismo com a obra contemporânea de Juan Larrea. Do livro Un Chien Andalou, 1927. (BUÑUEL, 1977, p. 113)

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

BUÑUEL, Luis. Al meternos en el lecho. In: __________. Luis Buñuel: obra literaria. Introducción y notas de Agustín Sánchez Vidal. Zaragoza, ES: Ediciones de Heraldo de Aragón, 1982. p. 136.

 

Em Português

 

BUÑUEL, Luis. Quando fomos para a cama. Tradução de Mário Cesariny. In: __________. Poemas. Antologia, introdução e notas de J. F. Aranda. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. 2. ed. Lisboa, PT: Arcádia, 1977. p. 77. (Colecção ‘Licorne’; Edição nº 703)

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