A julgar pelo título
do poema – tendencialmente relacionado a ofícios religiosos logo ao erguer do
sol –, a voz lírica dirige-se a um terceiro que se presume ser Deus, bem mais
associado, parece-me, à noção imanente do que transcendente (ou, por aproximação,
panteísta) da superior divindade.
Afirma a falante que “não
pode amar o que não consegue conceber”, tanto mais em razão de um silêncio a
promover a crença de que Deus deve “ser todas a coisas”, ou – quem sabe? –, diante
da ausência de resposta discernível, de que poderia se encontrar em todos os
lugares.
Nesse sentido, perceba
o leitor que o poema se inicia com a voz lírica a declarar o seu amor por Deus,
embora se encerre com mais perguntas do que respostas sobre as provas de sua
existência, quer sejam elas eventualmente manifestas, quer encobertas pelo
silêncio ou pela ampla multiplicidade do quanto existe no mundo natural.
J.A.R. – H.C.
Louise Glück
(n. 1943)
Matins III
Forgive me if I say I
love you: the powerful
are always lied to
since the weak are always
driven by panic. I
cannot love
what I can’t
conceive, and you disclose
virtually nothing:
are you like the hawthorn tree,
always the same thing
in the same place,
or are you more the
foxglove, inconsistent, first springing up
a pink spike on the
slope behind the daisies,
and the next year,
purple in the rose garden? You must see
it is useless to us,
this silence that promotes belief
you must be all
things, the foxglove and the hawthorn tree,
the vulnerable rose
and tough daisy – we are left to think
you couldn’t possibly
exist. Is this
what you mean us to
think, does this explain
the silence of the
morning,
the crickets not yet
rubbing their wings, the cats
not fighting in the
yard?
In: “The Wild Iris”
(1992)
Matinas de Páscoa
(Mykola Pymonenko:
pintor ucraniano)
Matinas III
Perdoa-me se digo que
te amo: os poderosos
são sempre
ludibriados, já que os fracos comumente
são movidos pelo
pânico. Não posso amar
o que não consigo
conceber, e tu não revelas
virtualmente nada: és
como o espinheiro,
sempre a mesma coisa
no mesmo lugar,
ou mais pareces a
inconsistente dedaleira, a brotar primeiro
como espiga rosada na
encosta, junto às margaridas,
e, no ano seguinte,
tornando-se púrpura no roseiral? Deves ver
o quão inútil é para
nós esse silêncio a promover a crença
de que deves ser
todas as coisas, a dedaleira e o espinheiro,
a rosa vulnerável e a
resiliente margarida – resta-nos pensar
que poderias não
existir. É isso
o que queres que
pensemos; isso explica
o silêncio da manhã,
os grilos ainda sem
roçar as asas, os gatos
sem duelo no quintal?
Em: “O Lírio
Selvagem” (1992)
Referência:
GLÜCK, Louise.
Matins. In: __________. Poems: 1962-2012. First paperback edition. New
York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 2013. p. 255.
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