Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Louise Glück - Matinas III

A julgar pelo título do poema – tendencialmente relacionado a ofícios religiosos logo ao erguer do sol –, a voz lírica dirige-se a um terceiro que se presume ser Deus, bem mais associado, parece-me, à noção imanente do que transcendente (ou, por aproximação, panteísta) da superior divindade.

 

Afirma a falante que “não pode amar o que não consegue conceber”, tanto mais em razão de um silêncio a promover a crença de que Deus deve “ser todas a coisas”, ou – quem sabe? –, diante da ausência de resposta discernível, de que poderia se encontrar em todos os lugares.

 

Nesse sentido, perceba o leitor que o poema se inicia com a voz lírica a declarar o seu amor por Deus, embora se encerre com mais perguntas do que respostas sobre as provas de sua existência, quer sejam elas eventualmente manifestas, quer encobertas pelo silêncio ou pela ampla multiplicidade do quanto existe no mundo natural.

 

J.A.R. – H.C.

 

Louise Glück

(n. 1943)

 

Matins III

 

Forgive me if I say I love you: the powerful

are always lied to since the weak are always

driven by panic. I cannot love

what I can’t conceive, and you disclose

virtually nothing: are you like the hawthorn tree,

always the same thing in the same place,

or are you more the foxglove, inconsistent, first springing up

a pink spike on the slope behind the daisies,

and the next year, purple in the rose garden? You must see

it is useless to us, this silence that promotes belief

you must be all things, the foxglove and the hawthorn tree,

the vulnerable rose and tough daisy – we are left to think

you couldn’t possibly exist. Is this

what you mean us to think, does this explain

the silence of the morning,

the crickets not yet rubbing their wings, the cats

not fighting in the yard?

 

In: “The Wild Iris” (1992)

 

Matinas de Páscoa

(Mykola Pymonenko: pintor ucraniano)

 

Matinas III

 

Perdoa-me se digo que te amo: os poderosos

são sempre ludibriados, já que os fracos comumente

são movidos pelo pânico. Não posso amar

o que não consigo conceber, e tu não revelas

virtualmente nada: és como o espinheiro,

sempre a mesma coisa no mesmo lugar,

ou mais pareces a inconsistente dedaleira, a brotar primeiro

como espiga rosada na encosta, junto às margaridas,

e, no ano seguinte, tornando-se púrpura no roseiral? Deves ver

o quão inútil é para nós esse silêncio a promover a crença

de que deves ser todas as coisas, a dedaleira e o espinheiro,

a rosa vulnerável e a resiliente margarida – resta-nos pensar

que poderias não existir. É isso

o que queres que pensemos; isso explica

o silêncio da manhã,

os grilos ainda sem roçar as asas, os gatos

sem duelo no quintal?

 

Em: “O Lírio Selvagem” (1992)

 

Referência:

 

GLÜCK, Louise. Matins. In: __________. Poems: 1962-2012. First paperback edition. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 2013. p. 255.

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