Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 18 de abril de 2023

Pero da Ponte - Se eu pudesse desamar

Nesta típica cantiga de amor trovadoresca de Pero da Ponte (séc. XIII), o falante emite a intenção de se vingar da amada que o destratou, ainda que lhe haja dirigido o mais puro afeto, de modo a levá-la a sofrer, buscando infligir-lhe o mal, deixando-a de amar. Nada obstante, tais propósitos parecem difíceis de ser concretizados, dada a sugestão deduzível à forma condicional empregada nos versos do poema.

 

E assim segue o amante sem conseguir dormir sossegado, reconhecendo a parcela de culpa que lhe cabe, por ter amado alguém que nunca correspondeu a tal amor e, agora, já longe de lhe poder dirigir a palavra para saber das razões pelas quais foi rejeitado: com efeito, de “cantiga de amor”, a composição mais tem sabor de “desforra”, no jogo do “benquerer x malquerer”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Iluminura inserta

no “Codex Manesse”

(Johannes Hadlaub: autor suíço)

 

Se eu podesse desamar

 

Se eu podesse desamar

a quen me sempre desamou,

e podess’ algun mal buscar

a quen mi sempre mal buscou!

Assy me vingaria eu,

se eu podesse coyta dar,

a quen mi sempre coyta deu.

 

Mays sol non posso eu enganar

meu coraçon que m’ enganou,

per quanto mi faz desejar

a quen me nunca desejou.

E per esto non dormio eu,

porque non poss’ eu coita dar,

a quen mi sempre coyta deu.

 

Mays rog’ a deus que desampar

quen mh’ assy desamparou,

ou que podess’ eu destorvar

a quen me sempre destorvou.

E logo dormiria eu,

se eu podesse coyta dar,

a quen mi sempre coyta deu.

 

Vel que ousass’ en preguntar

a quen me nunca preguntou,

per que me fez en ssy cuydar,

poys ela nunca en min cuydou.

E por esto lazero eu,

porque non poss’eu coyta dar,

a quen mi sempre coyta deu.

 

Iluminura inserta

no “Codex Manesse”

(Johannes Hadlaub: autor suíço)

 

Se eu pudesse desamar

 

Se eu pudesse desamar

a quem só me desamou,

e pudesse um mal buscar

a quem mal só me buscou!

Assim me vingaria eu,

se pudesse mágoas dar

a quem mágoas só me deu.

 

Mas só não posso enganar

coração que me enganou,

pois que me faz desejar

a quem não me desejou.

E por isso não durmo eu,

pois não posso mágoas dar

a quem mágoas só me deu.

 

Rogo a Deus desamparar

a quem me desamparou,

ou que possa eu perturbar

a quem só me perturbou.

E logo dormiria eu,

se pudesse mágoas dar

a quem mágoas só me deu.

 

Talvez ouse perguntar

a quem não me perguntou,

por que ela me a fez cuidar

se ela nunca me cuidou.

E por isto padeço eu,

pois não posso eu mágoas dar

a quem mágoas só me deu.

 

Referência:

 

PONTE, Pero da. Se eu podesse desamar / Se eu pudesse desamar. Tradução de Fábio Aristimunho Vargas. In: VARGAS, Fábio Aristimunho (Organização e Tradução). Poesia galega: das origens à guerra civil. São Paulo, SP: Hedra, 2009. Em galego: p. 32; em português: p. 31-32. (Coleção ‘Poesias de Espanha’; v. 69)

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