Nesta típica cantiga
de amor trovadoresca de Pero da Ponte (séc. XIII), o falante emite a intenção de
se vingar da amada que o destratou, ainda que lhe haja dirigido o mais puro
afeto, de modo a levá-la a sofrer, buscando infligir-lhe o mal, deixando-a de amar.
Nada obstante, tais propósitos parecem difíceis de ser concretizados, dada a
sugestão deduzível à forma condicional empregada nos versos do poema.
E assim segue o
amante sem conseguir dormir sossegado, reconhecendo a parcela de culpa que lhe cabe,
por ter amado alguém que nunca correspondeu a tal amor e, agora, já longe de
lhe poder dirigir a palavra para saber das razões pelas quais foi rejeitado: com
efeito, de “cantiga de amor”, a composição mais tem sabor de “desforra”, no jogo
do “benquerer x malquerer”.
J.A.R. – H.C.
Iluminura inserta
no “Codex
Manesse”
(Johannes Hadlaub: autor
suíço)
Se eu podesse desamar
Se eu podesse desamar
a quen me sempre
desamou,
e podess’ algun mal
buscar
a quen mi sempre mal
buscou!
Assy me vingaria eu,
se eu podesse coyta
dar,
a quen mi sempre
coyta deu.
Mays sol non posso eu
enganar
meu coraçon que m’ enganou,
per quanto mi faz
desejar
a quen me nunca
desejou.
E per esto non dormio
eu,
porque non poss’ eu
coita dar,
a quen mi sempre
coyta deu.
Mays rog’ a deus que
desampar
quen mh’ assy
desamparou,
ou que podess’ eu
destorvar
a quen me sempre
destorvou.
E logo dormiria eu,
se eu podesse coyta
dar,
a quen mi sempre
coyta deu.
Vel que ousass’ en
preguntar
a quen me nunca
preguntou,
per que me fez en ssy
cuydar,
poys ela nunca en min
cuydou.
E por esto lazero eu,
porque non poss’eu
coyta dar,
a quen mi sempre
coyta deu.
no “Codex
Manesse”
(Johannes Hadlaub: autor
suíço)
Se eu pudesse desamar
Se eu pudesse desamar
a quem só me desamou,
e pudesse um mal
buscar
a quem mal só me
buscou!
Assim me vingaria eu,
se pudesse mágoas dar
a quem mágoas só me
deu.
Mas só não posso
enganar
coração que me
enganou,
pois que me faz
desejar
a quem não me
desejou.
E por isso não durmo
eu,
pois não posso mágoas
dar
a quem mágoas só me
deu.
Rogo a Deus
desamparar
a quem me desamparou,
ou que possa eu
perturbar
a quem só me
perturbou.
E logo dormiria eu,
se pudesse mágoas dar
a quem mágoas só me
deu.
Talvez ouse perguntar
a quem não me perguntou,
por que ela me a fez
cuidar
se ela nunca me
cuidou.
E por isto padeço eu,
pois não posso eu
mágoas dar
a quem mágoas só me
deu.
Referência:
PONTE, Pero da. Se eu
podesse desamar / Se eu pudesse desamar. Tradução de Fábio Aristimunho Vargas. In:
VARGAS, Fábio Aristimunho (Organização e Tradução). Poesia galega: das
origens à guerra civil. São Paulo, SP: Hedra, 2009. Em galego: p. 32; em
português: p. 31-32. (Coleção ‘Poesias de Espanha’; v. 69)
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