No aguardo da
serenata do ser amado, a falante encontra-se num estado de apreensão, entre
ficar “doida” ou se tornar “santa”, tomada pela angústia de que seu companheiro
demore muito e, ao chegar, venha a dar com ela já envelhecida, e não na flor da
idade, como expectável pelos padrões impostos pela sociedade.
As alternativas entre
se casar ou entrar para a vida religiosa, bastante presente em meios
tradicionais, muito se parece com o modo pelo qual a poetisa Rosario
Castellanos (1925-1974) aborda o dilema existencial das mulheres em “Meditação no umbral”, ao mencionar os
nomes de duas delas que enveredaram pela segunda opção, nomeadamente, a
espanhola Teresa de Ávila (1515-1582) e a sóror mexicana Inés de la Cruz
(1648-1695).
J.A.R. – H.C.
Adélia Prado
(n. 1935)
A Serenata
Uma noite de lua
pálida e gerânios
ele viria com boca e
mãos incríveis
tocar flauta no
jardim.
Estou no começo do
meu desespero
e só vejo dois
caminhos:
ou viro doida ou
santa.
Eu que rejeito e
exprobro
o que não for natural
como sangue e veias
descubro que estou
chorando todo dia,
os cabelos
entristecidos,
a pele assaltada de
indecisão.
Quando ele vier,
porque é certo que vem,
de que modo vou
chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e
ele serão os mesmos
– só a mulher entre
as coisas envelhece.
De que modo vou abrir
a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se
não for santa?
Em: “Bagagem” (1976)
A serenata italiana
(Jean-Antoine
Watteau: pintor francês)
Referência:
PRADO, Adélia. A serenata. In: HENRIQUES NETO, Afonso (Seleção e Prefácio). Roteiro da poesia brasileira: anos 70. São Paulo, SP: Global, 2009. p. 45. (Coleção ‘Roteiro da poesia brasileira’)
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