Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Adélia Prado - A Serenata

No aguardo da serenata do ser amado, a falante encontra-se num estado de apreensão, entre ficar “doida” ou se tornar “santa”, tomada pela angústia de que seu companheiro demore muito e, ao chegar, venha a dar com ela já envelhecida, e não na flor da idade, como expectável pelos padrões impostos pela sociedade.

 

As alternativas entre se casar ou entrar para a vida religiosa, bastante presente em meios tradicionais, muito se parece com o modo pelo qual a poetisa Rosario Castellanos (1925-1974) aborda o dilema existencial das mulheres em “Meditação no umbral”, ao mencionar os nomes de duas delas que enveredaram pela segunda opção, nomeadamente, a espanhola Teresa de Ávila (1515-1582) e a sóror mexicana Inés de la Cruz (1648-1695).

 

J.A.R. – H.C.

 

Adélia Prado

(n. 1935)

 

A Serenata

 

Uma noite de lua pálida e gerânios

ele viria com boca e mãos incríveis

tocar flauta no jardim.

Estou no começo do meu desespero

e só vejo dois caminhos:

ou viro doida ou santa.

Eu que rejeito e exprobro

o que não for natural como sangue e veias

descubro que estou chorando todo dia,

os cabelos entristecidos,

a pele assaltada de indecisão.

Quando ele vier, porque é certo que vem,

de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?

A lua, os gerânios e ele serão os mesmos

– só a mulher entre as coisas envelhece.

De que modo vou abrir a janela, se não for doida?

Como a fecharei, se não for santa?

 

Em: “Bagagem” (1976)

 

A serenata italiana

(Jean-Antoine Watteau: pintor francês)

 

Referência:

 

PRADO, Adélia. A serenata. In: HENRIQUES NETO, Afonso (Seleção e Prefácio). Roteiro da poesia brasileira: anos 70. São Paulo, SP: Global, 2009. p. 45. (Coleção ‘Roteiro da poesia brasileira’)

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