Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Odylo Costa, filho - Declaração de amor à cidade de Lisboa

Mais ou menos a meio da década de 60 do século passado, mais exatamente entre abril de 1965 e maio de 1967, o epigrafado poeta e jornalista maranhense esteve em Lisboa (PT), como adido cultural à Embaixada do Brasil naquela cidade, tempo suficiente para conhecer e passar a amar os encantos que a capital portuguesa oferece aos seus residentes e turistas.

 

O poema a seguir é um dos que compõem o poemário “Tempo de Lisboa e Outros poemas” (1966), uma declaração de amor a Lisboa, a célebre urbe entrecortada pelo estuário do Tejo, margeada tal-qualmente pelo vasto e convidativo oceano à frente, a evocar o seu próprio e jungido “mar de histórias”, suporte fundante para quem, ciente de seu passado, lança-se a um intrépido futuro – que se espera ainda mais ilustre.

 

J.A.R. – H.C.

 

Odylo Costa, filho

(1914-1979)

 

Declaração de amor à cidade de Lisboa

 

À maneira e em memória

de António Nobre

 

Lisboa dos gerânios na sacada,

ter a alma por tuas flores arrancada,

das suas dores fundas esfregada,

ficar leve e branquinha de lavada,

de sol e não de lágrimas lavada...

 

Ó Lisboa das flores pelo chão,

ervas e flores, rio e coração,

 

Lisboa de Garrett e João de Deus,

em tuas mãos ponho os destinos meus.

 

Nasço de novo em ti. Abre-se em rosa

a rocha malferida e dolorosa.

 

Ó Lisboa de touro e cal, de tinta suave,

de janela de pedra (voo de ave),

cidade de colina e ponte, cria

na vã saudade a súbita alegria.

 

Põe nesta ausência, à força de paisagem

e de canção, as salvações da viagem.

 

Não podes ressurgir os corpos perecidos

mas podes devolver-me os sonhos já perdidos.

 

Ó Lisboa das naus, que o poeta amou outrora,

dá-me para beber consolações de agora.

 

Faz-me um vinho perfeito, decantado,

nas noites longamente preparado,

Sem gosto à terra nem às pedras do lagar, (*)

onde o Senhor possa o deu pão molhar.

 

Lisboa, abril de 1965 

 

Em: “Tempo de Lisboa e Outros poemas” (1966)

 

Vista panorâmica de Alfama

(Elena Petrova Gancheva: artista búlgara)

 

Nota:

 

(*). Lagar: nome pelo qual se designam as oficinas dotadas de aparelhos adequados para espremer certos frutos (uva, azeitona), reduzindo-os a líquido, ou mesmo os tanques em que, nessas oficinas, são espremidos os frutos.

 

Referência:

 

COSTA FILHO, Odylo. Declaração de amor à cidade de Lisboa. In: __________. Poesia completa. Edição preparada por Virgílio Costa, com colaboração do Instituto Odylo Costa, filho. Rio de Janeiro, RJ: Aeroplano; Fundação Biblioteca Nacional, 2010. p. 482-483.

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