O pensador francês
afirma, no excerto abaixo, extraído ao pequeno ensaio “Da Idade”, que a maioria
dos homens têm as suas faculdades físicas e espirituais “atrofiadas” depois dos
30 anos, em linha com o declínio da “vivacidade, da rapidez e da firmeza de
ânimo”: guardadas as proporções, devidas à melhora da média na qualidade de
vida entre as nações e, por consequência, da expectativa de vida do ser humano –
que poderia elevar em alguns anos tal idade –, ousaria declinar uma réplica que
seja ao grande filósofo gaulês.
Seria o caso de Michelangelo
Buonarotti (1475-1564), que, como se vê, viveu 89 anos e até quando Montaigne
contava 31: sabe-se que o artista italiano pintou a Capela Sistina dos 33 aos 36
anos, esculpiu Moisés dos 38 aos 40, pintou a cena do Juízo Final, na parede atrás
do altar da mesma Capela Sistina, dos 59 aos 66 anos, sendo ainda, em suas
últimas décadas de vida, arquiteto destacado para grandes obras, entre elas, a
Basílica de São Pedro.
O fato é que os
exemplos são tantos, desde a época em que o sábio francês declinou suas
percepções sobre o tema da idade, e em diversas áreas de atuação – na medicina,
na arte poética, na ciência, na arquitetura (tenha-se presente o exemplo de Oscar
Niemeyer [1907-2012], muito atuante em seus projetos até quase já centenário) –
etc., que o juízo de Montaigne poderia enfrentar, nos dias correntes, forte
objeção de incontáveis contestatários.
J.A.R. – H.C.
Michel de Montaigne
(1533-1592)
Retrato de autoria anônima
Livro Primeiro
Capítulo LVII
Da Idade
(Excerto)
Penso que, em sua
maioria, as mais belas ações que conheço, deste século ou dos séculos passados,
foram praticadas antes dos trinta anos e não depois; e isso às vezes pelo mesmo
indivíduo. Não o podemos assegurar, por exemplo, quanto às de Aníbal e Cipião,
seu grande inimigo? Viveram ambos a mais bela metade da vida da glória que
granjearam na juventude. Posteriormente, se os comparamos aos outros, ainda são
grandes homens; não, porém, se os comparamos a eles mesmos. Quanto a mim, creio
ser evidente que meu espírito e meu físico antes diminuíram, depois, dessa
idade, do que aumentaram em forças e lucidez; antes retrocederam do que
progrediram. É possível que o saber e a experiência cresçam com os anos em quem
emprega bem seu tempo; mas a vivacidade, a rapidez, a firmeza de ânimo e as
demais partes físicas ou morais, integrantes de nós mesmos, as mais importantes
e essenciais se desgastam e se atrofiam: “quando o corpo se abate ao peso dos
anos, e as molas da máquina estão usadas, oblitera-se a inteligência,
obscurece-se o espírito, delira a língua” (*).
Dois velhos em
contenda
(Rembrandt H. van
Rijn: pintor holandês)
Nota:
(*). Citação de
pensamento de Lucrécio (~94 a.C. – ~50 a.C.), filósofo e poeta romano.
Referência:
MONTAIGNE, Michel de.
Capítulo LVII: Da idade (excerto). Tradução de Sérgio Milliet. In: __________. Ensaios:
Vol. I, Livro Primeiro. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo, SP: Nova
Cultural, 2004. p. 287.
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Muito interessante este post.
ResponderExcluirArthur Claro
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