Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 26 de novembro de 2022

María Antonia Ortega - Ferida de morte

Nesta prosa poética, digamos assim, a falante enuncia as suas ideias acerca do que se poderia condensar na expressão “ferida de morte”, no caso em apreço, aquela sensação de reserva ou de distanciamento na qual se encontra o coração, tendente a se consumir e expirar na voragem dos dias se o amor não se aproxima, se o ser amada for uma cláusula de um sistema sem solução, diante dessa necessidade humana incontornável.

 

Há um insuspeito matiz cristão, nesta composição em particular, associável à expressão “casa do pai”, tansas vezes presente nos textos dos Evangelhos. Para mais, as linhas da poetisa espanhola levaram-me a recordar de certa passagem dos versos de “A Ilha”, do alagoano Djavan: “Porque seu coração é uma ilha a centenas de milhas daqui”.

 

J.A.R. – H.C.

 

María Antonia Ortega

(n. 1954)

 

Herida de muerte

 

Herida de muerte, agonía más lenta que la vida.

Solamente hay una ventaja contra la muerte: adelantarse a ella corriendo como un atleta sonámbulo frente a las gradas vacías de los largos pasillos solitarios en la casa del padre, pues morir es salirse, como los barcos, del horizonte.

Con paciencia espero que salte un pez dorado en mi memoria, destello de mi conciencia, remontando el curso de la corriente. Mi corazón es un lugar, y no hay lugar más alejado, ni las selvas vírgenes, ni los mares más lejanos, sin excepción de la muerte, cuyo sonido, cuando se acerca, también es el del oleaje.

No hay lugar tan apartado como mi corazón, oficio de farero.

¿Cuál es la soledad más grande, la soledad de Dios o la del hombre?

El ángel es la única criatura que no está sola, pues ha nacido para amar sin necesidad de ser amada.

 

En: “La pobreza dorada” (2003) 

 

O sepultamento

(ou Cristo sendo levado ao seu túmulo)

(Michelangelo Buonarroti: artista italiano)

 

Ferida de morte

 

Ferida de morte, agonia mais lenta que a vida.

Há apenas uma vantagem contra a morte: correr à sua frente como um atleta sonâmbulo diante dos degraus vazios dos longos corredores solitários na casa do pai, pois morrer é desaparecer, como os navios, no horizonte.

Com paciência, espero que um peixe dourado salte em minha memória, lampejo de minha consciência, nadando para montante num córrego. Meu coração é um lugar, e não há mais afastado, nem as selvas virgens, nem os mais distantes mares, sem exceção da morte, cujo som, quando se aproxima, é também o das ondas.

Não há lugar tão apartado quanto o meu coração, ofício de faroleiro.

Qual é a solidão maior, a solidão de Deus ou a do homem?

O anjo é a única criatura que não está sozinha, pois nasceu para amar, sem necessidade de ser amada.

 

Em: “A pobreza dourada” (2003)

 

Referência:

 

ORTEGA, María Antonia. Herida de muerte. In: CULLELL, Diana (Ed.). Spanish contemporary poetry: an anthology. Manchester, EN: Manchester University Press, 2014. p. 95.

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