Em anáfora que
empreende uma dúzia de repetições de um mesmo estado de consciência em relação
a um certo “mundo difícil” (“sei que estás lendo este poema”) – meio que
resulta empregado pela autora no intento de fixar uma língua em comum com os
seus leitores ou leitoras –, tem-se aqui um mapa concatenado de imagens
implacáveis do mundo contemporâneo, associadas ao quotidiano das mulheres em
particular, no decurso das quais o desfrute da poesia se dá em paralelo com
sólitas ações.
Trata-se da seção
final do poema em epígrafe, intitulada “Dedicatórias”, o que denota a aspiração
de Adrienne de que o seu poema – e as suas obras poéticas, por extensão – sejam
de algum interesse ou de utilidade aos que se dispuserem a lê-las, incrementando-lhes
os níveis de lucidez e de confiança, mesmo com todos os contratempos que roubam
tempo ao tempo.
J.A.R. – H.C.
Adrienne Rich
(1929-2012)
From ‘An Atlas of the
Difficult World’
XIII (Dedications)
I know you are
reading this poem
late, before leaving
your office
of the one intense
yellow lamp-spot and the darkening window
in the lassitude of a
building faded to quiet
long after rush-hour.
I know you are reading this poem
standing up in a
bookstore far from the ocean
on a gray day of
early spring, faint flakes driven
across the plains’
enormous spaces around you.
I know you are
reading this poem
in a room where too
much has happened for you to bear
where the bedclothes
lie in stagnant coils on the bed
and the open valise
speaks of flight
but you cannot leave
yet. I know you are reading this poem
as the underground
train loses momentum and before running
up the stairs
toward a new kind of
love
your life has never
allowed.
I know you are
reading this poem by the light
of the television
screen where soundless images jerk and slide
while you wait for
the newscast from the intifada.
I know you are
reading this poem in a waiting-room
of eyes met and
unmeeting, of identity with strangers.
I know you are
reading this poem by fluorescent light
in the boredom and
fatigue of the young who are counted out,
count themselves out,
at too early an age. I know
you are reading this
poem through your failing sight, the thick
lens enlarging these
letters beyond all meaning yet you read on
because even the
alphabet is precious.
I know you are
reading this poem as you pace beside the stove
warming milk, a
crying child on your shoulder, a book
in your hand
because life is short
and you too are thirsty.
I know you are
reading this poem which is not in your language
guessing at some
words while others keep you reading
and I want to know
which words they are.
I know you are
reading this poem listening for something, torn
between bitterness
and hope
turning back once
again to the task you cannot refuse.
I know you are
reading this poem because there is nothing else
left to read
there where you have
landed, stripped as you are.
(1990-1991)
Um dia no início da
primavera
(Jan Weiss: artista
norte-americana)
De ‘Um Mapa do Mundo
Difícil’
XIII (Dedicatórias)
Sei que estás lendo
este poema
tardiamente, antes de
saíres do teu escritório,
de um único e intenso
foco de luz amarela e de uma janela
ensombrecida
na lassidão de um
prédio que se desvaneceu em quietude,
muito depois da hora
de pico. Sei que estás lendo este poema
de pé em uma livraria,
distante do oceano,
em um dia cinzento de
início de primavera, com rúpteis flocos
atravessando
os enormes espaços
das planícies ao teu redor.
Sei que estás lendo
este poema
em um cômodo onde
muita coisa já aconteceu para que
possas suportá-las,
onde os cobertores
jazem em rolos estagnados sobre a cama
e a maleta aberta
fala de fuga,
mas ainda não podes
partir. Sei que estás lendo este poema
enquanto o trem do
metrô perde impulso e antes de subires
correndo as escadas,
em direção a um novo
tipo de amor
nunca permitido por
tua vida.
Sei que estás lendo
este poema à luz
da tela da televisão,
onde silenciosas imagens irrompem
e se arrastam,
enquanto esperas pelo
noticiário sobre a intifada.
Sei que estás lendo
este poema em uma sala de espera,
de olhares que se
deparam e não se encontram, tomada de empatia
por estranhos.
Sei que estás lendo
este poema sob uma luz fluorescente,
no tédio e na fadiga
dos jovens preteridos,
que se consideram
preteridos, numa idade demasiado precoce. Sei
que estás lendo este
poema através de tua falha visão, as lentes
grossas ampliando
estas letras para além de todo o significado e,
ainda assim,
continuas lendo,
porque mesmo o
alfabeto se revela precioso.
Sei que estás lendo
este poema à medida que te moves ao lado do fogão
aquecendo o leite, com
uma criança chorando em teu ombro,
um livro em tua mão,
porque curta é a vida
e também estás sedenta.
Sei que estás lendo
este poema que não está em teu idioma,
intuindo certas
palavras, enquanto outras te permitem seguir lendo, e,
de minha parte,
apreciaria saber que palavras são essas.
Sei que estás lendo
este poema escutando algo, dividida
entre a amargura e a
esperança,
para então retornares
uma vez mais à tarefa que não podes rejeitar.
Sei que estás lendo
este poema porque não há mais nada para ler
no lugar de onde
desembarcaste, despojada como estás.
(1990-1991)
Referência:
RICH, Adrienne. From
‘An Atlas of the Difficult World’ / XIII (Dedications). In: MAYES, Frances. The
discovery of poetry: a field guide to reading and writing poems. 1st
Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 6-7.
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