Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Adrienne Rich - XIII (Dedicatórias) de ‘Um Mapa do Mundo Difícil’

Em anáfora que empreende uma dúzia de repetições de um mesmo estado de consciência em relação a um certo “mundo difícil” (“sei que estás lendo este poema”) – meio que resulta empregado pela autora no intento de fixar uma língua em comum com os seus leitores ou leitoras –, tem-se aqui um mapa concatenado de imagens implacáveis do mundo contemporâneo, associadas ao quotidiano das mulheres em particular, no decurso das quais o desfrute da poesia se dá em paralelo com sólitas ações.

 

Trata-se da seção final do poema em epígrafe, intitulada “Dedicatórias”, o que denota a aspiração de Adrienne de que o seu poema – e as suas obras poéticas, por extensão – sejam de algum interesse ou de utilidade aos que se dispuserem a lê-las, incrementando-lhes os níveis de lucidez e de confiança, mesmo com todos os contratempos que roubam tempo ao tempo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Adrienne Rich

(1929-2012)

 

From ‘An Atlas of the Difficult World’

XIII (Dedications)

 

I know you are reading this poem

late, before leaving your office

of the one intense yellow lamp-spot and the darkening window

in the lassitude of a building faded to quiet

long after rush-hour. I know you are reading this poem

standing up in a bookstore far from the ocean

on a gray day of early spring, faint flakes driven

across the plains’ enormous spaces around you.

I know you are reading this poem

in a room where too much has happened for you to bear

where the bedclothes lie in stagnant coils on the bed

and the open valise speaks of flight

but you cannot leave yet. I know you are reading this poem

as the underground train loses momentum and before running

up the stairs

toward a new kind of love

your life has never allowed.

I know you are reading this poem by the light

of the television screen where soundless images jerk and slide

while you wait for the newscast from the intifada.

I know you are reading this poem in a waiting-room

of eyes met and unmeeting, of identity with strangers.

I know you are reading this poem by fluorescent light

in the boredom and fatigue of the young who are counted out,

count themselves out, at too early an age. I know

you are reading this poem through your failing sight, the thick

lens enlarging these letters beyond all meaning yet you read on

because even the alphabet is precious.

I know you are reading this poem as you pace beside the stove

warming milk, a crying child on your shoulder, a book

in your hand

because life is short and you too are thirsty.

I know you are reading this poem which is not in your language

guessing at some words while others keep you reading

and I want to know which words they are.

I know you are reading this poem listening for something, torn

between bitterness and hope

turning back once again to the task you cannot refuse.

I know you are reading this poem because there is nothing else

left to read

there where you have landed, stripped as you are.

 

(1990-1991)

 

Um dia no início da primavera

(Jan Weiss: artista norte-americana)

 

De ‘Um Mapa do Mundo Difícil’

XIII (Dedicatórias)

 

Sei que estás lendo este poema

tardiamente, antes de saíres do teu escritório,

de um único e intenso foco de luz amarela e de uma janela

ensombrecida

na lassidão de um prédio que se desvaneceu em quietude,

muito depois da hora de pico. Sei que estás lendo este poema

de pé em uma livraria, distante do oceano,

em um dia cinzento de início de primavera, com rúpteis flocos

atravessando

os enormes espaços das planícies ao teu redor.

Sei que estás lendo este poema

em um cômodo onde muita coisa já aconteceu para que

possas suportá-las,

onde os cobertores jazem em rolos estagnados sobre a cama

e a maleta aberta fala de fuga,

mas ainda não podes partir. Sei que estás lendo este poema

enquanto o trem do metrô perde impulso e antes de subires

correndo as escadas,

em direção a um novo tipo de amor

nunca permitido por tua vida.

Sei que estás lendo este poema à luz

da tela da televisão, onde silenciosas imagens irrompem

e se arrastam,

enquanto esperas pelo noticiário sobre a intifada.

Sei que estás lendo este poema em uma sala de espera,

de olhares que se deparam e não se encontram, tomada de empatia

por estranhos.

Sei que estás lendo este poema sob uma luz fluorescente,

no tédio e na fadiga dos jovens preteridos,

que se consideram preteridos, numa idade demasiado precoce. Sei

que estás lendo este poema através de tua falha visão, as lentes

grossas ampliando estas letras para além de todo o significado e,

ainda assim, continuas lendo,

porque mesmo o alfabeto se revela precioso.

Sei que estás lendo este poema à medida que te moves ao lado do fogão

aquecendo o leite, com uma criança chorando em teu ombro,

um livro em tua mão,

porque curta é a vida e também estás sedenta.

Sei que estás lendo este poema que não está em teu idioma,

intuindo certas palavras, enquanto outras te permitem seguir lendo, e,

de minha parte, apreciaria saber que palavras são essas.

Sei que estás lendo este poema escutando algo, dividida

entre a amargura e a esperança,

para então retornares uma vez mais à tarefa que não podes rejeitar.

Sei que estás lendo este poema porque não há mais nada para ler

no lugar de onde desembarcaste, despojada como estás.

 

(1990-1991)

 

Referência:

 

RICH, Adrienne. From ‘An Atlas of the Difficult World’ / XIII (Dedications). In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 6-7.

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