Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 5 de novembro de 2022

Felipe Benítez Reyes - A Questão Preliminar

A ficção do tempo é a questão preliminar a que se refere o poeta, essa variável física – “harmônica” e “prodigiosa” –, cuja fluidez sugere uma seta em um único sentido, condicionando-nos a duração da existência – vida finita –, enquanto o tempo ilimitado estende-se, por hipótese, até a eternidade que a Deus pertence.

 

As divagações do poeta sobre o tema em exame, transmutadas graciosamente a formulações poéticas, são estímulos que nos evocam outros tantos aclaramentos presentes em adágios que povoam o imaginário humano, v.g.: “O tempo voa” – por isso é leve, “ingrávido” –; “Tudo tem o seu tempo” – como nas palavras do Eclesiastes –; ou “A verdade é filha do tempo”, versão ao português da máxima latina “Veritas temporis filia”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Felipe Benítez Reyes

(n. 1960)

 

La Cuestión Preliminar

 

Savia mutada en ámbar,

Tiempo, ¿qué es lo que fuiste?

¿Qué confabulación de azar y orden

te otorgó esa apariencia de fluido,

de armónica secuencia prodigiosa,

de abstracta encarnación de lo ilusorio?

 

Tiempo, ¿qué es lo que eras?

¿En qué leve esplendor te camuflabas,

transformado en qué símbolos:

el crepúsculo hecho

de color y de caos,

el mar tintado en verde por el viento,

la perfección precaria de una rosa?

 

¿Dónde estaba tu casa?

 

Duende aun de los relojes detenidos,

el que está huyendo siempre

y el que no se va nunca,

Tiempo, tú, el invisible,

criatura en el aire, en él mecida,

ingrávida ficción del pensamiento.

 

Tiempo, ¿qué fuiste tú?

 

¿Qué leyenda de ti nos pertenece?

 

¿Qué podemos contar si nos preguntan?

 

Extraordinária e surreal passagem do tempo

(Johannes Murat: artista alemão)

 

A Questão Preliminar

 

Seiva convertida em âmbar,

Tempo, o que é o que foste?

Que confabulação entre o acaso e a ordem

te outorgou essa aparência de fluido,

de harmônica e prodigiosa sequência,

de abstrata encarnação do ilusório?

 

Tempo, o que é o que eras?

Em que tênue esplendor te camuflavas,

transformado em que símbolos:

o crepúsculo feito

de cor e de caos,

o mar tingido em verde pelo vento,

a precária perfeição de uma rosa?

 

Onde estava a tua casa?

 

Duende até mesmo de relógios parados,

o que está sempre em fuga,

e o que nunca se vai,

Tempo, tu, o invisível,

criatura no ar, nele embalada,

ingrávida ficção do pensamento.

 

Tempo, o que foste tu?

 

Que lenda de ti nos pertence?

 

O que podemos dizer se nos perguntam?

 

Referência:

 

REYES, Felipe Benítez. La cuestión preliminar. In: __________. Poética y poesía: Felipe Benítez Reyes. Madrid, ES: Fundación Juan March, 2006. p. 77. (‘Poética y Poesía’; n. 12). Disponível neste endereço. Acesso em: 25 out. 2022.

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