A ficção do tempo é a
questão preliminar a que se refere o poeta, essa variável física – “harmônica”
e “prodigiosa” –, cuja fluidez sugere uma seta em um único sentido,
condicionando-nos a duração da existência – vida finita –, enquanto o tempo ilimitado
estende-se, por hipótese, até a eternidade que a Deus pertence.
As divagações do
poeta sobre o tema em exame, transmutadas graciosamente a formulações poéticas,
são estímulos que nos evocam outros tantos aclaramentos presentes em adágios
que povoam o imaginário humano, v.g.: “O tempo voa” – por isso é leve, “ingrávido”
–; “Tudo tem o seu tempo” – como nas palavras do Eclesiastes –; ou “A verdade é
filha do tempo”, versão ao português da máxima latina “Veritas temporis filia”.
J.A.R. – H.C.
Felipe Benítez Reyes
(n. 1960)
La Cuestión
Preliminar
Savia mutada en
ámbar,
Tiempo, ¿qué es lo
que fuiste?
¿Qué confabulación de
azar y orden
te otorgó esa
apariencia de fluido,
de armónica secuencia
prodigiosa,
de abstracta
encarnación de lo ilusorio?
Tiempo, ¿qué es lo
que eras?
¿En qué leve
esplendor te camuflabas,
transformado en qué
símbolos:
el crepúsculo hecho
de color y de caos,
el mar tintado en
verde por el viento,
la perfección
precaria de una rosa?
¿Dónde estaba tu
casa?
Duende aun de los
relojes detenidos,
el que está huyendo
siempre
y el que no se va
nunca,
Tiempo, tú, el
invisible,
criatura en el aire,
en él mecida,
ingrávida ficción del
pensamiento.
Tiempo, ¿qué fuiste
tú?
¿Qué leyenda de ti
nos pertenece?
¿Qué podemos contar
si nos preguntan?
Extraordinária e
surreal passagem do tempo
(Johannes Murat:
artista alemão)
A Questão Preliminar
Seiva convertida em
âmbar,
Tempo, o que é o que foste?
Que confabulação entre
o acaso e a ordem
te outorgou essa aparência
de fluido,
de harmônica e
prodigiosa sequência,
de abstrata
encarnação do ilusório?
Tempo, o que é o que
eras?
Em que tênue
esplendor te camuflavas,
transformado em que
símbolos:
o crepúsculo feito
de cor e de caos,
o mar tingido em
verde pelo vento,
a precária perfeição
de uma rosa?
Onde estava a tua
casa?
Duende até mesmo de
relógios parados,
o que está sempre em fuga,
e o que nunca se vai,
Tempo, tu, o
invisível,
criatura no ar, nele
embalada,
ingrávida ficção do
pensamento.
Tempo, o que foste
tu?
Que lenda de ti nos
pertence?
O que podemos dizer
se nos perguntam?
Referência:
REYES, Felipe
Benítez. La cuestión preliminar. In: __________. Poética y poesía: Felipe
Benítez Reyes. Madrid, ES: Fundación Juan March, 2006. p. 77. (‘Poética y
Poesía’; n. 12). Disponível neste endereço. Acesso em: 25 out.
2022.
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