O clima não é lá para muitos romances sobre os telhados
do casario, pois chove e faz frio. Mas pouco importa: para uma noitada felina,
de paixão, sedução, galanteria, traições, cizânias entre parceiros, de
“baralhas de saloios e fadistas”, o lado mais fatigante cabe ao próprio
falante, que vê seu repouso embaraçado entre insônias e pesadelos.
J.A.R. – H.C.
(1859-1917)
Galgam os gatos, guturais, gritando,
Nas gotejantes, glácidas goteiras,
As julietas maltesas namorando,
Em mios sensuais pelas trapeiras.
Chora, chapinha, chuviscando, a chuva!
No deserto beiral do meu telhado,
Uma cinzenta graziela viúva
Contempla o seu “miau” envenenado...
Há lamentosos, lutulentos lances,
Por sobre a telha de Marselha, oblonga...
Sonhos, idílios, infernais romances,
Cavaleiros de Malta e barba longa!
Dum, conheço uma história muito triste,
Dum que lembrava o D. João doutrora,
Sempre com o bigode e a cauda em riste...
Mas era longo referi-la agora.
Pelos sítios escusos dos telhados
Há gatas sem pudor fazendo vistas,
Traições, banzés, focinhos arranhados,
Baralhas de saloios e fadistas.
Ouvindo-os, entre insônias horrorosas,
Paroquiais, pesados pesadelos,
Guloso, gloso gloriosas glosas,
E faço caracóis com os cabelos!...
Em: “Bailatas” (1907)
Gatos no telhado
(Teresa Kluszczyńska: pintora
polonesa)
Glácidas – glaciais,
gélidas;
Julietas – fofas, macias;
Trapeiras –
águas-furtadas;
Graziela – engraçada,
divertida;
Lutulentos – cheios de
lodo;
Baralhas – (fig.) confusões,
altercações;
Saloios – campônios,
rústicos.
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