Eis as elucubrações
de um viúvo nas cercanias dos umbrais da morte, desalentado, exposto a forças que
lhe submetem o espírito, não solitário apenas porque um filho ainda lhe faz
companhia – muito embora o fato de este não ter tomado um destino de glória
perante a vida lhe pareça um insucesso próprio, com “sabor de naufrágio”.
As imagens empregadas
pelo poeta no fechamento do poema representam metáforas de uma imersão no
oceano, onde uma procissão de túnicas e fachos ardentes submerge para, com suas
cinzas, assinalar a própria fronte do falante, como se lhe dissesse, “serás o
próximo a nos fazer companhia”, para, desse modo, consumar o que de humano mais
se nos revela a cada passo: a finitude.
J.A.R. – H.C.
Alí Chumacero
(1918-2010)
Monólogo del Viudo
Abro a la puerta,
vuelvo a la misericordia
de mi casa donde el
rumor defiende
la penumbra y el hijo
que no fue
sabe a naufrágio, a
ola o fervoroso lienzo
que en ácidos estíos
el rostro desvanece. Arcaico
reposar
de dioses muertos
llena las estancias,
y bajo el aire
respira la conciencia
la ráfaga que ayer mi
frente aún buscaba
en el descenso
turbio.
No podría nombrar
sábanas, cirios, humo
ni la humildad y
compasión y calma
a orillas de la
tarde, no podría
decir “sus manos”, “mi
tristeza”, “nuestra tierra”
porque todo en su
nombre
de heridas se
ilumina. Como señal de espuma
o epitafio, cortinas,
lecho, alfombras
y destrucción hacia
el desdén transcurren,
mientras vence la cal
que a su desnudo niega
la sombra del
espacio.
Ahora empieza el
tiempo, el agrio sonreír
del huésped que en
insomnio, al desvelar
su ira, canta en la
ciudad impura
el calcinado son y al
labio purifican
fuegos de
incertidumbre
que fluyen sin
respuesta. Astro o delfín, allá
bajo la onda el pie
desaparece,
y túnicas tornadas en
emblemas
hunden su ardiente
procesión y con ceniza
la frente me señalan.
En: “Palabras en
Reposo” (1956)
O viúvo
(Edward Lamson Henry:
pintor norte-americano)
Monólogo do Viúvo
Abro a porta, volto à
misericórdia
de minha casa, onde o
rumor resiste
à penumbra e o filho
que não se foi
tem sabor de
naufrágio, de onda ou fervoroso lenço
que, em ácidos estios,
esvanece o rosto. Um
arcaico repousar
de deuses mortos enche
os cômodos,
e sob o ar a
consciência respira
a rajada que, ontem,
minha fronte ainda buscava
no túrbido declínio.
Não poderia nomear lençóis,
velas, fumaça,
tampouco a humildade
e compaixão e calma
nas raias da tarde; não
poderia
dizer “suas mãos”, “minha
tristeza”, “nossa terra”,
porque tudo em seu
nome
se ilumina de feridas.
Como sinal de espuma
ou epitáfio,
cortinas, leito, tapetes
e destruição
transcorrem até o desdém,
enquanto a cal,
negando a sua nudez, triunfa
sobre a sombra do
espaço.
Agora começa o tempo,
o acre sorrir
do hóspede que, na
insônia, ao revelar
sua ira, canta na
cidade impura
o calcinado som, e
fogos de incerteza,
num fluxo sem
resposta,
os lábios purificam. Estrela
ou golfinho, ali
sob a onda, o pé
desaparece,
e túnicas, transformadas
em emblemas,
imergem em ardente
procissão e, com cinza,
assinalam minha
fronte.
Em: “Palavras em
Repouso” (1956)
Referência:
CHUMACERO, Alí. Monólogo
del viudo. In: MONSIVÁIS, Carlos (Notas, selección y resumen cronológico). La
poesía mexicana del siglo XX: antología. 1. ed. México, D.F.: Empresas
Editoriales S.A., jun. 1966. p. 653.
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