Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 13 de novembro de 2022

Alí Chumacero - Monólogo do Viúvo

Eis as elucubrações de um viúvo nas cercanias dos umbrais da morte, desalentado, exposto a forças que lhe submetem o espírito, não solitário apenas porque um filho ainda lhe faz companhia – muito embora o fato de este não ter tomado um destino de glória perante a vida lhe pareça um insucesso próprio, com “sabor de naufrágio”.

 

As imagens empregadas pelo poeta no fechamento do poema representam metáforas de uma imersão no oceano, onde uma procissão de túnicas e fachos ardentes submerge para, com suas cinzas, assinalar a própria fronte do falante, como se lhe dissesse, “serás o próximo a nos fazer companhia”, para, desse modo, consumar o que de humano mais se nos revela a cada passo: a finitude.

 

J.A.R. – H.C.

 

Alí Chumacero

(1918-2010)

 

Monólogo del Viudo

 

Abro a la puerta, vuelvo a la misericordia

de mi casa donde el rumor defiende

la penumbra y el hijo que no fue

sabe a naufrágio, a ola o fervoroso lienzo

que en ácidos estíos

el rostro desvanece. Arcaico reposar

de dioses muertos llena las estancias,

y bajo el aire respira la conciencia

la ráfaga que ayer mi frente aún buscaba

en el descenso turbio.

 

No podría nombrar sábanas, cirios, humo

ni la humildad y compasión y calma

a orillas de la tarde, no podría

decir “sus manos”, “mi tristeza”, “nuestra tierra”

porque todo en su nombre

de heridas se ilumina. Como señal de espuma

o epitafio, cortinas, lecho, alfombras

y destrucción hacia el desdén transcurren,

mientras vence la cal que a su desnudo niega

la sombra del espacio.

 

Ahora empieza el tiempo, el agrio sonreír

del huésped que en insomnio, al desvelar

su ira, canta en la ciudad impura

el calcinado son y al labio purifican

fuegos de incertidumbre

que fluyen sin respuesta. Astro o delfín, allá

bajo la onda el pie desaparece,

y túnicas tornadas en emblemas

hunden su ardiente procesión y con ceniza

la frente me señalan.

 

En: “Palabras en Reposo” (1956)

 

O viúvo

(Edward Lamson Henry: pintor norte-americano)

 

Monólogo do Viúvo

 

Abro a porta, volto à misericórdia

de minha casa, onde o rumor resiste

à penumbra e o filho que não se foi

tem sabor de naufrágio, de onda ou fervoroso lenço

que, em ácidos estios,

esvanece o rosto. Um arcaico repousar

de deuses mortos enche os cômodos,

e sob o ar a consciência respira

a rajada que, ontem, minha fronte ainda buscava

no túrbido declínio.

 

Não poderia nomear lençóis, velas, fumaça,

tampouco a humildade e compaixão e calma

nas raias da tarde; não poderia

dizer “suas mãos”, “minha tristeza”, “nossa terra”,

porque tudo em seu nome

se ilumina de feridas. Como sinal de espuma

ou epitáfio, cortinas, leito, tapetes

e destruição transcorrem até o desdém,

enquanto a cal, negando a sua nudez, triunfa

sobre a sombra do espaço.

 

Agora começa o tempo, o acre sorrir

do hóspede que, na insônia, ao revelar

sua ira, canta na cidade impura

o calcinado som, e fogos de incerteza,

num fluxo sem resposta,

os lábios purificam. Estrela ou golfinho, ali

sob a onda, o pé desaparece,

e túnicas, transformadas em emblemas,

imergem em ardente procissão e, com cinza,

assinalam minha fronte.

 

Em: “Palavras em Repouso” (1956)

 

Referência:

 

CHUMACERO, Alí. Monólogo del viudo. In: MONSIVÁIS, Carlos (Notas, selección y resumen cronológico). La poesía mexicana del siglo XX: antología. 1. ed. México, D.F.: Empresas Editoriales S.A., jun. 1966. p. 653.

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