O poema, segundo
Adília, seria um peixe – resvaladiço por natureza – a ser capturado pelo vate “com
as mãos”, como se a questão fosse de vida ou de morte, isto é, ou bem os dois
se salvam ou bem os dois fenecem nessa luta corporal, sendo que, ao fim e ao
cabo, a sensação que fica ao poeta é o de libertação em relação à coisa
apreendida, com um indizível alívio, depois de se haver embrenhado nesse rio de
imortalidade.
Um peixe fora d’água
não sobrevive apenas com suas guelras, tendo que retornar ao meio aquático, onde
é capaz de se mover e de se alimentar: como autêntica força psíquica, de consciência
e de renovação, o animal inspirou uma rica iconografia ao longo da história. E
agora, no domínio da arte poética, o poema-peixe circula de mão em mão, já
longe do estado de pertença a quem o capturou de início.
J.A.R. – H.C.
Adília Lopes
(n. 1960)
Arte Poética
Escrever um poema
é como apanhar um
peixe
com as mãos
nunca pesquei assim
um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o
que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os
dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não
chegar ao fim
é uma questão de vida
ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei
de apanhar o peixe
para me livrar do
peixe
livro-me do peixe com
o alívio
que não sei dizer
Em: “Um jogo bastante
perigoso” (1985)
Peixe Betta
(Aleksandar Lukic:
pintor sérvio)
Referência:
LOPES, Adília. Arte
poética. In: __________. Dobra: poesia reunida. 1. ed. Lisboa, PT: Assírio
& Alvim, 2009. p. 12-13.
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