Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 6 de novembro de 2022

Adília Lopes - Arte Poética

O poema, segundo Adília, seria um peixe – resvaladiço por natureza – a ser capturado pelo vate “com as mãos”, como se a questão fosse de vida ou de morte, isto é, ou bem os dois se salvam ou bem os dois fenecem nessa luta corporal, sendo que, ao fim e ao cabo, a sensação que fica ao poeta é o de libertação em relação à coisa apreendida, com um indizível alívio, depois de se haver embrenhado nesse rio de imortalidade.

 

Um peixe fora d’água não sobrevive apenas com suas guelras, tendo que retornar ao meio aquático, onde é capaz de se mover e de se alimentar: como autêntica força psíquica, de consciência e de renovação, o animal inspirou uma rica iconografia ao longo da história. E agora, no domínio da arte poética, o poema-peixe circula de mão em mão, já longe do estado de pertença a quem o capturou de início.

 

J.A.R. – H.C.

 

Adília Lopes

(n. 1960)

 

Arte Poética

 

Escrever um poema

é como apanhar um peixe

com as mãos

nunca pesquei assim um peixe

mas posso falar assim

sei que nem tudo o que vem às mãos

é peixe

o peixe debate-se

tenta escapar-se

escapa-se

eu persisto

luto corpo a corpo

com o peixe

ou morremos os dois

ou nos salvamos os dois

tenho de estar atenta

tenho medo de não chegar ao fim

é uma questão de vida ou de morte

quando chego ao fim

descubro que precisei de apanhar o peixe

para me livrar do peixe

livro-me do peixe com o alívio

que não sei dizer

 

Em: “Um jogo bastante perigoso” (1985)

 

Peixe Betta

(Aleksandar Lukic: pintor sérvio)

 

Referência:

 

LOPES, Adília. Arte poética. In: __________. Dobra: poesia reunida. 1. ed. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 2009. p. 12-13.

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