Num desértico e
chuvoso entardecer, a voz lírica põe-se a elencar tórridas reminiscências da mulher
amada, ou melhor, de seu corpo – mãos, pés, coxas ventre, braços, dentes,
cabelos, garganta –, metaforizando-o em pertinentes contextos, como “carvão a
arder” ou “pedra de forno”, imagens que por si sós suscitam a ideia de contraste
ao frio e ao silêncio da aludida tarde de chuva.
O fato é que, no
plano imediato, se nos revela um intenso erotismo nestes versos de Guillén, atrelado
aos predicados de uma trigueira e tentadora senhora, cujos atrativos físicos,
capturados pelo olhar em dias remotos, são atualizados num contexto de
presumível idealização, para que aquilo que se tornou fixação se converta outra
vez em beleza, sensualidade, volúpia.
J.A.R. – H.C.
Nicolás Guillén
(1902-1989)
Piedra de horno
La tarde abandonada
gime deshecha en
lluvia.
Del cielo caen
recuerdos
y entran por la
ventana.
Duros suspiros rotos,
quimeras calcinadas.
Lentamente va
viniendo tu cuerpo.
Llegan tus manos en
su órbita
de aguardiente de caña;
tus pies inagotables
quemados por la danza,
y tus muslos, tenazas
del espasmo,
y tu boca, sustancia
comestible, y tu
cintura
de abierto caramelo.
Llegan tus brazos de
oro, tus dientes sanguinarios;
de pronto entran tus
ojos traicionados,
tu piel tendida,
preparada
para la siesta;
tu olor a selva
repentina; tu garganta
gritando (no sé, me
lo imagino); gimiendo
(no sé, me lo figuro),
quejándose (no sé, supongo, creo);
tu garganta profunda
retorciendo palabras
prohibidas.
Un río de promesas
baja de tus cabellos,
se demora en tus
senos,
cuaja al fin en un
charco de melaza en tu vientre,
viola tu carne firme
de noturno secreto.
Carbón ardiendo y
piedra de horno
en esta tarde fría de
lluvia y de silencio.
Mulher fumando charuto
(Autoria desconhecida)
Pedra de forno
A tarde abandonada
geme, desfeita em
chuva.
Do céu caem memórias
e entram pela janela.
Duros suspiros
rompidos,
quimeras reduzidas a
cinzas.
Lentamente, teu corpo
se aproxima.
Chegam tuas mãos em
sua órbita
de licor de cana;
teus pés inesgotáveis
queimados pela dança,
e tuas coxas, tenazes
do espasmo,
e tua boca,
substância
comestível, e tua cintura
de generoso caramelo.
Chegam teus braços
dourados, teus dentes sedentos
de sangue;
de repente, entram
teus atraiçoados olhos,
tua pele estirada,
preparada
para a sesta;
teu repentino cheiro de
selva; tua garganta
gritando (não sei, imagino);
gemendo
(não sei, presumo);
queixando-se (não sei, suponho,
creio);
tua garganta profunda
retorcendo palavras
proibidas.
Um rio de promessas
desce de teus
cabelos,
demora-se em teus
seios,
coalha ao fim numa
poça de melaço em teu ventre,
viola tua carne firme
de noturno segredo.
Carvão ardendo e
pedra de forno
nesta tarde fria de
chuva e de silêncio.
Referência:
GUILLÉN, Nicolás. Piedra
de horno. In: __________. Man-making words: selected poems of Nicolás
Guillén. Translated, annotated, with on introduction by Robert Marquez and ·David
Arthur McMurray. A bilingual edition: Spanish x English. Reprinted from the
first edition (1972). La Habana, CU: Editorial de Arte y Literatura, 1973. p.
44 y 46.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário