Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Nicolás Guillén - Pedra de forno

Num desértico e chuvoso entardecer, a voz lírica põe-se a elencar tórridas reminiscências da mulher amada, ou melhor, de seu corpo – mãos, pés, coxas ventre, braços, dentes, cabelos, garganta –, metaforizando-o em pertinentes contextos, como “carvão a arder” ou “pedra de forno”, imagens que por si sós suscitam a ideia de contraste ao frio e ao silêncio da aludida tarde de chuva.

 

O fato é que, no plano imediato, se nos revela um intenso erotismo nestes versos de Guillén, atrelado aos predicados de uma trigueira e tentadora senhora, cujos atrativos físicos, capturados pelo olhar em dias remotos, são atualizados num contexto de presumível idealização, para que aquilo que se tornou fixação se converta outra vez em beleza, sensualidade, volúpia.

 

J.A.R. – H.C.

 

Nicolás Guillén

(1902-1989)

 

Piedra de horno

 

La tarde abandonada

gime deshecha en lluvia.

Del cielo caen recuerdos

y entran por la ventana.

Duros suspiros rotos,

quimeras calcinadas.

Lentamente va viniendo tu cuerpo.

Llegan tus manos en su órbita

de aguardiente de caña;

tus pies inagotables quemados por la danza,

y tus muslos, tenazas del espasmo,

y tu boca, sustancia

comestible, y tu cintura

de abierto caramelo.

 

Llegan tus brazos de oro, tus dientes sanguinarios;

de pronto entran tus ojos traicionados,

tu piel tendida, preparada

para la siesta;

tu olor a selva repentina; tu garganta

gritando (no sé, me lo imagino); gimiendo

(no sé, me lo figuro), quejándose (no sé, supongo, creo);

tu garganta profunda

retorciendo palabras prohibidas.

 

Un río de promesas

baja de tus cabellos,

se demora en tus senos,

cuaja al fin en un charco de melaza en tu vientre,

viola tu carne firme de noturno secreto.

 

Carbón ardiendo y piedra de horno

en esta tarde fría de lluvia y de silencio.

 

Mulher fumando charuto

(Autoria desconhecida)

 

Pedra de forno

 

A tarde abandonada

geme, desfeita em chuva.

Do céu caem memórias

e entram pela janela.

Duros suspiros rompidos,

quimeras reduzidas a cinzas.

Lentamente, teu corpo se aproxima.

Chegam tuas mãos em sua órbita

de licor de cana;

teus pés inesgotáveis queimados pela dança,

e tuas coxas, tenazes do espasmo,

e tua boca, substância

comestível, e tua cintura

de generoso caramelo.

 

Chegam teus braços dourados, teus dentes sedentos

de sangue;

de repente, entram teus atraiçoados olhos,

tua pele estirada, preparada

para a sesta;

teu repentino cheiro de selva; tua garganta

gritando (não sei, imagino); gemendo

(não sei, presumo); queixando-se (não sei, suponho,

creio);

tua garganta profunda

retorcendo palavras proibidas.

 

Um rio de promessas

desce de teus cabelos,

demora-se em teus seios,

coalha ao fim numa poça de melaço em teu ventre,

viola tua carne firme de noturno segredo.

 

Carvão ardendo e pedra de forno

nesta tarde fria de chuva e de silêncio.

 

Referência:

 

GUILLÉN, Nicolás. Piedra de horno. In: __________. Man-making words: selected poems of Nicolás Guillén. Translated, annotated, with on introduction by Robert Marquez and ·David Arthur McMurray. A bilingual edition: Spanish x English. Reprinted from the first edition (1972). La Habana, CU: Editorial de Arte y Literatura, 1973. p. 44 y 46.

Nenhum comentário:

Postar um comentário