Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Geraldo Holanda Cavalcanti - Arte Poética

Sobre a arte poética muito tem a dizer o diplomata, poeta, ensaísta e tradutor pernambucano: ele é autor de “A Herança de Apolo” (Civilização Brasileira; 2012), obra que se dispõe a apreciar a íntegra do quanto se inscreve, ao longo da história ocidental, no domínio da tríplice invariante do ofício em apreço, v.g., “poesia, poeta, poema”.

 

Os infratranscritos versos podem servir para o leitor travar conhecimento com a agudeza dos silogismos de Holanda, alguns dos quais palmilham sendas de onde promanam questões sobre o ente e o ser, ou por outra, sobre a natureza íntima das coisas (tão caras às lucubrações heideggerianas), coisas – claro está – como o próprio poema e a poesia, esse combinado de beleza a vicejar em efêmera anêmona que se pretende perene.

 

J.A.R. – H.C.

 

Geraldo Holanda Cavalcanti

(n. 1929)

 

Arte Poética

 

Ora, há muitas formas de enfrentar o poema

eu sei, tudo dependendo de aonde você quer chegar

Primeiro e fundamental é saber se o poema se quer

transitivo ou não. Digo “se quer” porque nem tudo é

escolha sua

digo, de quem escreve (não do poema)

Este também tem sua vontade (dele, poema

desta vez). Você sabe. Falo de sua lógica interna

e sei que parece torto falar de lógica quando se

está referindo a um poema. Mas assim é. Tudo

tem sua lógica interna, um gato, uma árvore. Um poema

O gato impõe a elegância de seus gestos

silenciosos, a soberana independência de seus dias

A árvore sua matriz de sombras e a inapagável

certeza das raízes. O poema é uma ânfora. (Uma âncora?

quem sabe! voltar a isso, depois). Digamos, vaso

para guardar palavra essencial. Para entregar-se ou não

Outro escolho: Ou não? Ainda se para mim retido

(como os meus, inviolados, tantos anos guardados em gavetas

cadernos, ou, como agora, na insubstancial memória de

frágeis discos, reconhecíveis apenas se evocados na verde

fosforescência de uma tela), não é ele algo de um eu

efêmero para outro efêmero eu, outra pessoa

uma mensagem, portanto, de um passado que mal reconheço?

Transitivo, pois, ainda que elaborado como para dentro de si

mesmo voltado e para dentro de mim. Mas, longe

embora aquele que se quer perdurar em minha mão agora

com seus, para mim, já dispensáveis sentimentos (tão graves

para ele então, imagino), conheço seus códigos

(nem todos), sei, ou penso saber, o que me quer dizer

Não assim, no entanto, se de um outro mais opaco

me chegam telexes cifrados, engenhosos artifícios

de alusões montadas no que foi a linguagem de uma

noite na cama ou de uma tarde no parque. Devo confessar

de plano, que não gosto que me pisquem o olho se

não estou por dentro. E ainda menos que alguém

me queira vender lacrada e indiscernível sua

obra-prima, seu momento de beleza. E menos que tudo

que se me confundam grito e dor. Explico-me

O poema não é só o grito, nem é só a dor

É o grito da dor. Mas resgatado do efêmero

às regiões do mito transportado, moeda de carne

viva, harpa de nervos tensos, vibrando os sons

harmônicos de todas as outras dores para sempre

Ânfora, dizia? Sim, palpável e muda, rica na essencial

unidade de sua intenção e de sua forma, na

unicidade de sua beleza. Ou âncora, talvez, prendendo

à amarra de seus versos um momento fugaz que

se desejou permanente

 

Em: “Restolho (1978-1998)

 

Um poema encantador como uma árvore

(Helena Bebirian: artista armeno-americana)

 

Referência:

 

CAVALCANTI, Geraldo Holanda. Arte poética. In: __________. Poesia reunida. Introdução de Álvaro Mutis. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil & Fundação Biblioteca Nacional, 1998. p. 211-213.

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