Sobre a arte poética
muito tem a dizer o diplomata, poeta, ensaísta e tradutor pernambucano: ele é
autor de “A Herança de Apolo” (Civilização Brasileira; 2012), obra que se
dispõe a apreciar a íntegra do quanto se inscreve, ao longo da história
ocidental, no domínio da tríplice invariante do ofício em apreço, v.g., “poesia,
poeta, poema”.
Os infratranscritos
versos podem servir para o leitor travar conhecimento com a agudeza dos
silogismos de Holanda, alguns dos quais palmilham sendas de onde promanam
questões sobre o ente e o ser, ou por outra, sobre a natureza íntima das coisas
(tão caras às lucubrações heideggerianas), coisas – claro está – como o próprio
poema e a poesia, esse combinado de beleza a vicejar em efêmera anêmona que se
pretende perene.
J.A.R. – H.C.
Geraldo Holanda
Cavalcanti
(n. 1929)
Arte Poética
Ora, há muitas formas
de enfrentar o poema
eu sei, tudo
dependendo de aonde você quer chegar
Primeiro e
fundamental é saber se o poema se quer
transitivo ou não.
Digo “se quer” porque nem tudo é
escolha sua
digo, de quem escreve
(não do poema)
Este também tem sua
vontade (dele, poema
desta vez). Você
sabe. Falo de sua lógica interna
e sei que parece
torto falar de lógica quando se
está referindo a um
poema. Mas assim é. Tudo
tem sua lógica
interna, um gato, uma árvore. Um poema
O gato impõe a
elegância de seus gestos
silenciosos, a
soberana independência de seus dias
A árvore sua matriz
de sombras e a inapagável
certeza das raízes. O
poema é uma ânfora. (Uma âncora?
quem sabe! voltar a
isso, depois). Digamos, vaso
para guardar palavra
essencial. Para entregar-se ou não
Outro escolho: Ou
não? Ainda se para mim retido
(como os meus,
inviolados, tantos anos guardados em gavetas
cadernos, ou, como
agora, na insubstancial memória de
frágeis discos,
reconhecíveis apenas se evocados na verde
fosforescência de uma
tela), não é ele algo de um eu
efêmero para outro
efêmero eu, outra pessoa
uma mensagem, portanto,
de um passado que mal reconheço?
Transitivo, pois,
ainda que elaborado como para dentro de si
mesmo voltado e para
dentro de mim. Mas, longe
embora aquele que se
quer perdurar em minha mão agora
com seus, para mim,
já dispensáveis sentimentos (tão graves
para ele então,
imagino), conheço seus códigos
(nem todos), sei, ou
penso saber, o que me quer dizer
Não assim, no
entanto, se de um outro mais opaco
me chegam telexes
cifrados, engenhosos artifícios
de alusões montadas
no que foi a linguagem de uma
noite na cama ou de
uma tarde no parque. Devo confessar
de plano, que não
gosto que me pisquem o olho se
não estou por dentro.
E ainda menos que alguém
me queira vender
lacrada e indiscernível sua
obra-prima, seu
momento de beleza. E menos que tudo
que se me confundam
grito e dor. Explico-me
O poema não é só o
grito, nem é só a dor
É o grito da dor. Mas
resgatado do efêmero
às regiões do mito
transportado, moeda de carne
viva, harpa de nervos
tensos, vibrando os sons
harmônicos de todas
as outras dores para sempre
Ânfora, dizia? Sim,
palpável e muda, rica na essencial
unidade de sua
intenção e de sua forma, na
unicidade de sua
beleza. Ou âncora, talvez, prendendo
à amarra de seus
versos um momento fugaz que
se desejou permanente
Em: “Restolho
(1978-1998)
Um poema encantador
como uma árvore
(Helena Bebirian: artista
armeno-americana)
Referência:
CAVALCANTI, Geraldo
Holanda. Arte poética. In: __________. Poesia reunida. Introdução de
Álvaro Mutis. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil & Fundação Biblioteca
Nacional, 1998. p. 211-213.
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