Neste soneto de
versos decassílabos brancos, Fróes adentra o espesso labirinto daquilo que
denominamos “fato”, objeto preferencial de exame de toda ciência que se diz “experimental”:
essa espécie ambivalente do tangível bem “pode ser” como “não ser”, e, de tão
plurívoca, viabiliza a própria concepção do poema, permitindo-se deslindar em
alegorias, translações, imagens, itinerários da linguagem.
Tendo a imaginar sentidos
que não sejam propriamente os tencionados pelo poeta em suas linhas, um dos
quais atrevo-me a revelar: os experimentos da Física, a indicarem que, ao nível
quântico, não há fatos objetivos, porquanto, a depender do observador, este se
deixa perceber por distintos atributos, o que dá na mesma, o olhar do
observador do fato influencia os experimentos quânticos.
Noutra mirada, há
mesmo quem afirme, como Nietzsche, que não há fatos, senão apenas interpretações,
o que, em tempos de “fake news”, pode transformar a realidade no que quer que
seja, pois que a pretensão de se tomar as coisas como “verdades”, num pensar objetivo
e imparcial, subordinado com lógica aos acontecimentos, mais parece uma
cidadela tomada de sobressalto por hordas de iconoclastas, cujos residentes
acriticamente logo lhes aquiescem, passando a viver numa “realidade paralela”.
J.A.R. – H.C.
Leonardo Fróes
(n. 1941)
Ciência experimental
O fato pode ser, à
luz de um vidro,
brilhante ou fosco,
passageiro ou triste.
Depõe armas de asco aos
pés do vício
ou, hirto, um brasão
cria no espaço.
O fato pode ser, pode
não ser.
Depende, pois é
misto, de um bom clima
propício à floração:
tanto no espelho
luzidio da sala
quanto numa
espátula de safras
num canteiro.
O manto do real, que
é? Um selo
lacrando a boca
infame de uma fábula
contada com cinismo
ao nosso medo.
O fato pode ser, pode
não ser.
Mas a memória, irmão,
essa não falha.
Em: “Língua Franca”
(1968)
Um experimento com um
pássaro no ar
(Joseph Wright:
pintor inglês)
Referência:
FRÓES, Leonardo. Ciência experimental. In: __________. Vertigens: obra reunida (1968-1998). Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 1998. p. 36.
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