O imaginário do poeta
sobre o idioma sânscrito é povoado de experiências próprias, muito difíceis de
se de tornarem legíveis, ou mesmo inteligíveis, em primeira mão, a um leitor
ocidental: explico-me melhor, pelo menos assim se me afiguraram os versos de
Mahapatra, a ponto de algumas linhas por mim vertidas ao português expressarem
mais o entendimento que tive do que nelas se registra no original em inglês, do
que, talvez, houvesse pretendido o autor por meio das metáforas empregadas.
É que o fluir dos
versos ostenta uma cadência não exatamente ilógica, senão que, manifestamente poética,
acabando por acrescer camadas latentes de polissemia. Mas nada que impeça ao
internauta, ao fim, poder haurir a beleza dos versos, entremeados por sugestões
aos principais distintivos dos rituais e da mística indiana (ou quiçá melhor,
hindu, dada a mais estreita vinculação do sânscrito ao hinduísmo), seus livros
sagrados, mitos, mistérios, cânticos, mantras.
J.A.R. – H.C.
Jayanta Mahapatra
(n. 1928)
Sanskrit
Awaken them; they are
knobs of sound
that seem to melt and
crumple up
like some jellyfish
of tropical seas,
torn from sleep with
a hand lined by prophecies.
Listen hard; their
male, gaunt world sprawls the page
like rows of tree
trunks reeking in the smoke
of ages, the branches
glazed and dead
as though longing to
make up with the sky,
but having lost touch
with themselves
were unable to find
themselves, hold meaning.
And yet, down the
steps into the water at Varanasi,
where the lifeless
bodies seem to grow human,
the shaggy heads of
word-buds move back and forth
between the harsh
castanets of the rain
and the noiseless
feathers of summer –
aware that their
syllables’ overwhelming silence
would not escape the
hearers now, and which
must remain that
mysterious divine path
guarded by drifts of
queer, quivering banyans:
a language of clogs
over cobbles, casting
its uncertain spell,
trembling sadly into mist.
O ciclo da vida
(Hans Canon: pintor
austríaco)
Sânscrito
Ponham-se a
despertá-los; são eles rebentos de som
que parecem
derreter-se e crispar-se
como certas
águas-vivas de mares tropicais,
arrancadas do sono por
uma mão abonada de profecias.
Ponham-se a
escutá-los com atenção; seu mundo masculino
e desolado estende-se
pela página
como fileiras de
troncos de árvores que tresandam à fumaça
das eras, os ramos
hialinos e mortos
como se desejassem
fazer as pazes com os céus,
mas que, tendo
perdido o contato consigo próprios,
não lograram se
encontrar, de manter o significado.
E mais ainda, descendo
os degraus até as águas de Varanasi,
onde os corpos sem
vida parecem tornar-se humanos,
as cabeças
desgrenhadas dos brotos de palavras movem-se
de um lado a outro,
entre o inclemente
castanholar da chuva
e a silenciosa plumagem
de verão –
cientes de que o esmagador
silêncio de suas sílabas
não escaparia agora
aos ouvintes, e de que
tal misterioso e
divino caminho há de continuar a ser
guarnecido por levas
de estranhas e trêmulas
figueiras de Bengala:
um idioma de tamancas
sobre paralelepípedos, lançando
seu incerto feitiço,
tremendo pesarosamente na névoa.
Referência:
MAHAPATRA, Jayanta.
Sanskrit. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary world
poetry. 1st. ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House
Inc.), june 1996. p. 417.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário