O leitor, ao digerir
as linhas deste poema de Pina, logo percebe que a ele pertence o excerto que
deu designativo, no Brasil, a uma seleção de seus poemas mais significativos, a
saber, “O coração pronto para o roubo”, lançado em primeira edição em 2018,
pela Editora 34.
Sobre o tema dos
presentes versos, não há como se deixar de pôr em evidência a função metalinguística
empregada – o fazer poético que desloca para a coisa escrita muito da essência
de seu próprio autor, obliterando-lhe a alma –, para além da intertextualidade
presente na paródia outorgada ao título do poema, muito provavelmente uma “pilhagem”
ao cabedal camoniano: “Transforma-se
o amador na cousa amada”.
J.A.R. – H.C.
Manuel António Pina
(1943-2012)
Transforma-se a coisa
escrita no escritor
Isto está cheio de
gente
falando ao mesmo
tempo
e alguma coisa está
fora de isto falando de isto
e tudo é sabido em
qualquer lugar.
(Chamo-lhe Literatura
porque não sei o nome de isto;)
o escritor é uma
sombra de uma sombra
o que fala põe-o fora
de si
e de tudo o que não
existe.
Aquele que quer saber
tem o coração pronto
para o
roubo e para a
violência
e a alma pronta para
o esquecimento.
Lugar de encontro dos sonhadores
(Duy Huynh: artista
vietnamita)
Referência:
PINA, Manuel António.
Transforma-se a coisa escrita no escritor. In: __________. Aquele que quer
morrer: poema. Porto, PT: Na Regra do Jogo, 1978. p. 71.
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