Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Manuel António Pina - Transforma-se a coisa escrita no escritor

O leitor, ao digerir as linhas deste poema de Pina, logo percebe que a ele pertence o excerto que deu designativo, no Brasil, a uma seleção de seus poemas mais significativos, a saber, “O coração pronto para o roubo”, lançado em primeira edição em 2018, pela Editora 34.

 

Sobre o tema dos presentes versos, não há como se deixar de pôr em evidência a função metalinguística empregada – o fazer poético que desloca para a coisa escrita muito da essência de seu próprio autor, obliterando-lhe a alma –, para além da intertextualidade presente na paródia outorgada ao título do poema, muito provavelmente uma “pilhagem” ao cabedal camoniano: “Transforma-se o amador na cousa amada”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Manuel António Pina

(1943-2012)

 

Transforma-se a coisa escrita no escritor

 

Isto está cheio de gente

falando ao mesmo tempo

e alguma coisa está fora de isto falando de isto

e tudo é sabido em qualquer lugar.

 

(Chamo-lhe Literatura porque não sei o nome de isto;)

o escritor é uma sombra de uma sombra

o que fala põe-o fora de si

e de tudo o que não existe.

 

Aquele que quer saber

tem o coração pronto para o

roubo e para a violência

e a alma pronta para o esquecimento.

 

Lugar de encontro dos sonhadores

(Duy Huynh: artista vietnamita)

 

Referência:

 

PINA, Manuel António. Transforma-se a coisa escrita no escritor. In: __________. Aquele que quer morrer: poema. Porto, PT: Na Regra do Jogo, 1978. p. 71.

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