Neste soneto, escrito
quando o autor contava apenas vinte anos, Laforgue nos descreve como, fumando
um cigarro – “para matar o tempo, enquanto à espera da morte” –, encetou uma
viagem onírica, descolada da sórdida, tediosa e “plana” realidade, para atingir
um universo imaginário, fantasioso, que se lhe parece bem mais agradável.
Em regresso dessa “viagem”,
o poeta logo percebe que acabou por se esbrasear, esquecendo-se, em seu enlevo,
do cigarro entre os dedos: a julgar pela tradução ao quarto verso da segunda
estrofe (literalmente, fala-se em “lânguidos perfumes de mil incensadores”), o
itinerário alucinatório teria sido percorrido sob o efeito de alguma droga – muito
provavelmente o ópio consignado por Augusto de Campos –, tão caro aos artesãos
da palavra, ao longo do século XIX.
J.A.R. – H.C.
Jules Laforgue
(1860-1887)
La Cigarette
Oui, ce monde est
bien plat: quant à l’autre, sornettes.
Moi, je vais résigné,
sans espoir à mon sort,
Et pour tuer le
temps, en attendant la mort,
Je fume au nez des
dieux de fines cigarettes.
Allez, vivants,
luttez, pauvres futurs squelettes.
Moi, le méandre bleu
qui vers le ciel se tord
Me plonge en une
extase infinie et m’endort
Comme aux parfums
mourants de mille cassolettes.
Et j’entre au
paradis, fleuri de rêves clairs
Ou l’on voit se mêler
en valses fantastiques
Des éléphants en rut
à des choeurs de moustiques.
Et puis quand je m’éveille
en songeant à mes vers,
Je contemple, le
coeur plein d’une douce joie
Mon cher pouce rôti
comme une cuisse d’oie.
Homem Fumante
(Ladianne Henderson: artista norte-americana)
O Cigarro
Sim, este mundo é
chato e o outro, uma graça.
Eu vou resignado, sem
me fiar na sorte,
E pra matar o tempo,
enquanto espero a morte,
Lanço ao nariz dos
deuses fitas de fumaça.
Ide, esqueletos do futuro,
pobre raça.
Eu, o meandro azul
que para o céu serpeia,
Mergulho em êxtase
sem fim, cabeça cheia
De ópios febris de
alguma estranha taça.
Adentro o paraíso, em
sonhos todo imerso,
Nos quais se vão
mesclar, em fantásticos ritos,
Elefantes em cio a coros
de mosquitos.
E quando acordo,
meditando no meu verso,
O coração pleno de
júbilo, balanço
Meu polegar cozido –
uma coxa de ganso.
Referência:
LAFORGUE, Jules. La
cigarette / O cigarro. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de (Traduções,
introduções e intraduções). Verso, reverso, controverso. 2. ed. revista.
São Paulo, SP: Perspectiva, 1988. Em francês: p. 244; em português: p. 245.
(Coleção ‘Signos’; v. 6)
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