Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Jules Laforgue - O Cigarro

Neste soneto, escrito quando o autor contava apenas vinte anos, Laforgue nos descreve como, fumando um cigarro – “para matar o tempo, enquanto à espera da morte” –, encetou uma viagem onírica, descolada da sórdida, tediosa e “plana” realidade, para atingir um universo imaginário, fantasioso, que se lhe parece bem mais agradável.

 

Em regresso dessa “viagem”, o poeta logo percebe que acabou por se esbrasear, esquecendo-se, em seu enlevo, do cigarro entre os dedos: a julgar pela tradução ao quarto verso da segunda estrofe (literalmente, fala-se em “lânguidos perfumes de mil incensadores”), o itinerário alucinatório teria sido percorrido sob o efeito de alguma droga – muito provavelmente o ópio consignado por Augusto de Campos –, tão caro aos artesãos da palavra, ao longo do século XIX.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jules Laforgue

(1860-1887)

 

La Cigarette

 

Oui, ce monde est bien plat: quant à l’autre, sornettes.

Moi, je vais résigné, sans espoir à mon sort,

Et pour tuer le temps, en attendant la mort,

Je fume au nez des dieux de fines cigarettes.

 

Allez, vivants, luttez, pauvres futurs squelettes.

Moi, le méandre bleu qui vers le ciel se tord

Me plonge en une extase infinie et m’endort

Comme aux parfums mourants de mille cassolettes.

 

Et j’entre au paradis, fleuri de rêves clairs

Ou l’on voit se mêler en valses fantastiques

Des éléphants en rut à des choeurs de moustiques.

 

Et puis quand je m’éveille en songeant à mes vers,

Je contemple, le coeur plein d’une douce joie

Mon cher pouce rôti comme une cuisse d’oie.

 

Homem Fumante

(Ladianne Henderson: artista norte-americana)

 

O Cigarro

 

Sim, este mundo é chato e o outro, uma graça.

Eu vou resignado, sem me fiar na sorte,

E pra matar o tempo, enquanto espero a morte,

Lanço ao nariz dos deuses fitas de fumaça.

 

Ide, esqueletos do futuro, pobre raça.

Eu, o meandro azul que para o céu serpeia,

Mergulho em êxtase sem fim, cabeça cheia

De ópios febris de alguma estranha taça.

 

Adentro o paraíso, em sonhos todo imerso,

Nos quais se vão mesclar, em fantásticos ritos,

Elefantes em cio a coros de mosquitos.

 

E quando acordo, meditando no meu verso,

O coração pleno de júbilo, balanço

Meu polegar cozido – uma coxa de ganso.

 

Referência:

 

LAFORGUE, Jules. La cigarette / O cigarro. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de (Traduções, introduções e intraduções). Verso, reverso, controverso. 2. ed. revista. São Paulo, SP: Perspectiva, 1988. Em francês: p. 244; em português: p. 245. (Coleção ‘Signos’; v. 6)

Nenhum comentário:

Postar um comentário